FIPLC EM-EH


Edição nº 187 - de 15 de Dezembro de 2017 a 14 de Janeiro de 2018

Olá Leitoras! Olá Leitores!

Inovar pode ser alterar as metas de atitudes já enraizadas...

Muitas vezes, empresárias de porte médio, até mesmo, querem inovar, modernizar etc. Mas tem que ter paciência... Afinal, ainda querem levar o filho cedo na escola, e fazer os trabalhos tudo na correria, por que o transito não colabora... Você está vendo quantas atribuições que são inerentes a sua família, mas só Deus em sua magnífica energia poderá mudar desde o clima e a chuva, um sol escaldante com muito suco gelado de frutas.

Refletir é aprender de novo... e aqui fica nosso fraternal abraço com agradecimentos por seu apoio e atenção neste ano que findou.

Que ano 2018 seja muito próspero para você, e com muitas realizações em seus projetos.

Cordial abraço da equipe FIPLC_EM_EH.

Para informações, críticas, sugestões, envio de notícias, para anunciar, contate-nos.

Cartão único unirá ao menos 12 documentos em 1 só e facilitará muito nossas vidas

Nathália Geraldo 01 de Dezembro de 2017

Rodrigo Viana/Senado Federal

Para facilitar a vida do cidadão brasileiro, será criado um documento único que reunirá informações de ao menos 12 documentos de identificação possíveis de serem emitidos no país, entre eles, RG, título de eleitor e CPF.

Ele funcionará com base no banco de dados biométricos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde está sendo registrada a impressão digital dos eleitores, e da Polícia Federal.

Documento único no Brasil: o que se sabe até agora

Como será o modelo

De acordo com o TSE, o modelo do documento ainda não foi oficializado. Mas, há uma proposta (foto acima) divulgada pelo Senado em que aparecem as informações básicas do cidadão e um chip, que poderá ser adicionado para trazer mais segurança ao documento.

Existe previsão de início do uso?

Não há uma data para que ele passe a ser emitido. Mas, de acordo com matéria da Agência Brasil, o cadastro central de informações deve ser feito até 2021; só então será possível a unificação dos números dos documentos pessoais.

Número do CPF

O Comitê Gestor da Identificação Civil Nacional (ICN), criado para definir os detalhes do documento único, informou que o número do CPF de cada pessoa servirá como o número público do Documento Nacional de Identidade (DNI).

O documento também será vinculado a um registro biométrico individualizado.

Possíveis documentos agregados

Passaporte e a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) não vão ser substituídos pelo novo documento, por serem documentos renováveis e passíveis de apreensão.

De acordo com informações do Senado, serão registrados pelo menos 12 documentos de identificação:

  1. Título de eleitor
  2. RG
  3. Carteira de trabalho
  4. CPF
  5. Certidão de nascimento
  6. Certidão de casamento
  7. Número de contribuição para o PIS/Pasep
  8. Cadastro em programas sociais do governo
  9. Certificado de reservista
  10. Carteira de identificação militar
  11. Carteiras profissionais, como da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ou da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj)
  12. Carteiras de identificação funcional, emitidas pelas entidades de classe, como os Conselhos Regionais de Engenharia e Agronomia (Crea) e de Medicina (CRM), e pelo RH de órgãos federais, estaduais e municipais.

DETALHES DA LEI

A lei que cria o documento único foi aprovada em maio de 2017 por Michel Temer e tem o objetivo de "identificar o brasileiro em suas relações com a sociedade e com os órgãos e entidades governamentais e privados".

De acordo com o texto, a primeira via do documento único não será gratuita, mas a emissão não será obrigatória enquanto os documentos estiverem dentro da validade.

(Fonte: https://www.vix.com/pt/noticias/552767/cartao-unico-unira-ao-menos-12-documentos-em-1-so-e-facilitara-muito-nossas-vidas, data de acesso 10/12/2017)

CONFIRA A CARTEIRA DE TRABALHO DIGITAL E APRENDA COMO ACESSAR O APLICATIVO

(Fonte: https://brunonc.jusbrasil.com.br/artigos/526598907/confira-a-carteira-de-trabalho-digital-e-aprenda-como-acessar-o-aplicativo?ref=feed, data de acesso 10/12/2017)

Reforma do Judiciário e Tratados Internacionais: a Emenda Constitucional nº 45 e o novo § 3º do art. 5º

Felipe Dutra Asensi

A Emenda Constitucional nº 45, promulgada em 30 de dezembro de 2004, tem por característica central a realização da chamada reforma do judiciário, que traz temas importantes a serem debatidos na doutrina e nos tribunais como, por exemplo, a ampliação da competência da justiça do trabalho, a consagração do princípio do direito à razoável duração do processo e a instalação do Conselho Nacional de Justiça. Dentre estes temas, encontra-se o novo § 3º do artigo 5º, que inaugura a possibilidade de se conferir status constitucional a tratados de direitos humanos mediante procedimento legislativo. Deste modo, busca-se promover uma reflexão crítica sobre os desafios que se apresentam ao ordenamento jurídico brasileiro em virtude deste novo dispositivo, acusando a sua instabilidade por promover a insegurança jurídica dos tratados internacionais firmados pelo Brasil e a confusão de normas no plano nacional. Recorre-se, neste sentido, ao resgate da ponderação e da razoabilidade como princípios a serem utilizados pelo poder judiciário com o objetivo de reduzir e atenuar os impactos deste novo dispositivo.

Sumário: 1. Introdução; 2.Os debates sobre a recepção no direito brasileiro antes do novo dispositivo; 3. O novo parágrafo e suas consequências; 3.1. A eficácia “ex nunc” do novo parágrafo; 3.2. Os tratados assinados mas não aprovados; 3.3. A empreitada jurisprudencial e doutrinária; 3.4. A prerrogativa de conferir status; 4. Conclusão: a importância da ponderação e da razoabilidade; 5. Referências bibliográficas

1. INTRODUÇÃO

Em 30 de dezembro de 2004 foi promulgada a Emenda Constitucional nº 45. Fruto da necessidade de conferir dinamismo e operacionalidade ao poder judiciário e ao Ministério Público, esta emenda traz alterações importantes na esfera constitucional. Por essa razão, a EC nº 45 tem sido comumente chamada de reforma do judiciário. É reforma não no sentido de promover alterações substanciais quanto à estrutura do judiciário, mas sim por alargar as possibilidades de ação do judiciário de maneira responsável e observante da legalidade. O texto da emenda entrou em vigor no dia de sua publicação ressalvado o prazo de 180 dias para ser implantado o Conselho Nacional de Justiça e o do Ministério Público.

Esta reforma do judiciário, em verdade, representa muito mais do que novas regras ao poder judiciário, na medida em que traz alterações que permeiam todo o mundo jurídico. De fato, há diversos pontos importantes a serem debatidos no campo doutrinário e jurisprudencial nos anos que virão. Destaca-se a súmula vinculante, que é um tema bastante delicado e cujo debate gira em torno da independência dos juízes e da concentração de poder hermenêutico nas cúpulas judiciárias. Um outro tema é a ampliação da competência da Justiça do Trabalho para julgar todas as relações oriundas da relação de trabalho, e não apenas as de emprego. Quanto ao Conselho Nacional de Justiça, a expectativa é que seja um órgão auxiliar, complementar e cooperador do poder judiciário, e não seu alter ego. Por fim, ainda destacamos a presença de um novo princípio, o do direito à razoável duração do processo, que busca corrigir ou, ao menos, atenuar os problemas de morosidade típicos do poder judiciário no julgamento de ações.

Entretanto, embora estivessem em voga estes temas, não se observou um debate apurado acerca do novo § 3º inserido no artigo 5º de nossa Constituição. Compreendemos que este novo artigo produz alterações substanciais no ordenamento jurídico brasileiro, o que demanda uma reflexão e discussão mais profunda sobre suas possíveis consequências. Vejamos o seu texto:

“§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais” (art. 5º, § 3º, CRFB).

Como podemos observar, este parágrafo determina que tratados internacionais relativos a direitos humanos ratificados pelo Brasil tenham status constitucional, desde que sejam "aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros" (idem), passando a ter, após tal procedimento, valor de emenda constitucional. Trata-se de um dispositivo que abre a possibilidade de que tratados internacionais sejam equiparados a normas constitucionais, desde que passem por um procedimento legislativo de aprovação.

Mais precisamente, o constituinte derivado colocou em debate um tema que se encontrava pacífico no Supremo Tribunal Federal desde os anos setenta, mas que continuava conflitante no campo doutrinário: o posicionamento hierárquico das normas internacionais de direitos humanos dentre as fontes normativas do sistema jurídico brasileiro. Neste sentido, é evidente que a mudança provocada pelo referido parágrafo não é meramente estilística; ela representa a preocupação do constituinte em preservar os interesses básicos da humanidade, mesmo que muitos deles não estejam expressos claramente nos textos de direito positivo nacional. Trata-se, parafraseando Sarlet, de ampliar o catálogo de direitos fundamentais, incluindo os decorrentes da assinatura de tratados internacionais, tal qual preconiza o § 2º do artigo 5º. Observe:

“§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”(art. 5º, § 2º, CRFB).

Entretanto, apesar do § 3º ser aparentemente positivo – por incluir no rol das normas constitucionais os tratados internacionais sobre direitos humanos devidamente aprovados -, pode originar problemas vindouros de grande relevância, que merecerão apreço por parte dos constitucionalistas e dos doutrinadores de direito internacional.

Neste artigo, será realizada uma reflexão crítica acerca das consequências jurídicas do fato de um tratado de direitos humanos ser equiparado à categoria de emenda constitucional[1], levando-se em conta o papel do poder judiciário de corrigir determinadas distorções constitucionais a partir da utilização da ponderação e da razoabilidade.

2. OS DEBATES SOBRE A RECEPÇÃO ANTES DO NOVO DISPOSITIVO

De acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, o tratado internacional, uma vez celebrado pelo Presidente da República (art. 84, VIII, CRFB), referendado pelo Congresso Nacional por meio de decreto legislativo (art. 49, I, CRFB), e promulgado e publicado por decreto presidencial, entra em nosso ordenamento jurídico com o status de norma infraconstitucional, seja ele concernente a direitos humanos ou não. Acolhe-se, assim, a equiparação jurídica do tratado internacional à lei ordinária federal. Tem-se como marco desta posição o julgamento do Recurso Extraordinário nº 80.004, em 1977.

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 80.004 – SE

(Tribunal Pleno)

Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Cunha Peixoto.

Recorrente: Belmiro da Silveira Góes.

Recorrido: Sebastião Leão Trindade

Convenção de Genebra – Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias – Aval aposto à Nota Promissória não registrada no prazo legal – Impossibilidade de ser o avalista acionado, mesmo pelas vias ordinárias. Validade do Decreto-lei nº 427, de 22.01.1969. Embora a Convenção de Genebra que previu uma lei uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias tenha aplicabilidade no direito interno brasileiro, não se sobrepõe ela às leis do País, disso decorrendo a constitucionalidade e consequente validade do Decreto-lei nº 427/1969, que instituiu o registro obrigatório da Nota Promissória em Repartição Fazendária, sob pena de nulidade do título. Sendo o aval um instituto do direito cambiário, inexistente será ele se reconhecida a nulidade do título cambial a que foi aposto.

Recurso extraordinário conhecido e provido. (R.T.J. 83, p. 809-48).”

De certo, existiam posições contrárias a esta defendida pelo STF, preferindo muitos autores reconhecer, senão o status constitucional dos tratados de direitos humanos, ao menos uma posição normativa supralegal, ou seja, estes tratados estariam acima das leis ordinárias, subordinando-se somente à Constituição. De certa forma, trata-se de mais um degrau na hierarquia piramidal das leis. Outros, como Flávia Piovesan[2], defendiam que perante a Constituição de 1988 as convenções internacionais de direitos humanos têm natureza constitucional, enquanto as demais têm caráter infraconstitucional.

Em suma, o debate girava em torno de três correntes:

O Constituinte originário, após enumerar o extenso rol de direitos e garantias fundamentais no artigo 5º, estabeleceu, nos parágrafos 1º e 2º do mesmo artigo, que:

“§ 1º. As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. (art. 5º, § 1º, CRFB)

§ 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (art. 5º, § 2º, CRFB).

Através de uma interpretação sistemática, observa-se que o § 2º consagra o que Ingo Wolfgang Sarlet[3] vai chama de cláusula geral e aberta de recepção dos tratados internacionais. Observe que este parágrafo, ao ser combinado com a norma contida no § 1º, confere aplicabilidade imediata a tais normais. (Sarlet, 2001:77)

Neste sentido, a corrente de Flávia Piovesan ganha força pois, "Ao efetuar tal incorporação, a Carta está a atribuir aos direitos internacionais uma hierarquia especial e diferenciada, qual seja, a hierarquia de norma constitucional” (Piovesan, 2000:74). Nesta mesma direção, Alexandre de Moraes[4] reforça a

“Posição feliz a do nosso constituinte de 1988, ao consagrar que os direitos garantidos nos tratados de direitos humanos em que a República Federativa do Brasil é parte recebe tratamento especial, inserindo-se no elenco dos direitos constitucionais fundamentais, tendo aplicação imediata no âmbito interno, a teor do disposto nos §§ 1º e 2º do art 5º da Constituição Federal” (Moraes, 2003:459).

Muito embora seja importante a posição doutrinária supra, consideraremos, como ponto de partida e de reflexão, a linha de entendimento do Supremo Tribunal Federal, ou seja, a de que os tratados internacionais, independentemente de versarem sobre matérias de direitos humanos ou não, são equiparados a normas infraconstitucionais. A lógica do novo parágrafo abala o entendimento tradicional do Egrégio Tribunal, na medida em que os tratados internacionais podem adquirir caráter de norma constitucional, sendo superiores à lei ordinária. Justifica-se, assim a reflexão sobre os problemas que advêm deste novo dispositivo.

3. O NOVO PARÁGRAFO E SUAS CONSEQUÊNCIAS

De fato, a problemática do § 3º do artigo 5º se resume nos seguintes pontos: O tratado cujo teor abranja direitos humanos, para ter dignidade de norma constitucional e, consequentemente, ter eficácia de emenda constitucional, deve passar pelo crivo do Congresso Nacional, sendo aprovado pelos mesmos trâmites legais de uma emenda. Assim que é aprovado, o tratado terá força de norma constitucional. Em decorrência, este tratado poderá revogar normas infraconstitucionais, poderá revogar outras normas constitucionais, e passará por trâmites especiais.

Surgem, então, alguns pontos interessantes que devem ser considerados a respeito. Vejamos um exemplo: como vimos, se um tratado é assinado, quer dizer que ele é considerado uma norma infraconstitucional, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Entretanto, se dispuser sobre direitos humanos, pode ter força constitucional, desde que obedeça aos trâmites legislativos. Ora, qual a eficácia do novo parágrafo? Qual o tratamento adequado ao tratado que é assinado mas não recebe força constitucional pelo Congresso? Como procederá a jurisprudência e a doutrina no eventual conflito entre tratados que fazem parte de um mesmo ordenamento jurídico e que, a priori, são dotados de uma mesma eficácia? O Congresso não teria um poder diferenciado ao qualificar determinado tratado de constitucional ou infraconstitucional? Em que medida o poder judiciário pode atuar através do recurso à ponderação? Estas são as perguntas sobre quais proponho refletir.

3.1. A eficácia “ex nunc” do novo parágrafo

Uma primeira questão que surge no estudo do novo parágrafo remete à sua própria eficácia em relação ao tempo. Deve este dispositivo ter eficácia ex tunc ou ex nunc? Ou, mais precisamente: deve possibilitar que tratados assinados antes dele possam ser também elevados ao status de tratados constitucionais? O que fazer com os tratados anteriores ao dispositivo?

De fato, não parece razoável que os tratados anteriores ao dispositivo devam passar por nova aprovação do Congresso Nacional. Imagine ter que aprovar em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, e por três quintos dos votos dos respectivos membros, todos os tratados internacionais anteriormente assinados para saber se devem ou não adquirir o status constitucional. Certamente seria inviável, pois demandaria muito tempo, discussões e acordos políticos para a sua aprovação.

Neste sentido, é razoável que a eficácia deste novo dispositivo constitucional seja condicionada apenas a efeitos ex nunc. Somente a partir de 30 de dezembro de 2004 é possível falar em dois tipos de tratados: os constitucionais e os infraconstitucionais. Como veremos a seguir, serão produzidos impactos importantes no ordenamento jurídico nacional em virtude dessa possibilidade.

3.2. Os tratados assinados mas não aprovados

A possibilidade de conferir status constitucional a alguns tratados cria a problemática dos tratados assinados, mas que não são elevados pelo Congresso à categoria de norma constitucional. Ou seja, teremos em nosso ordenamento dois tipos de tratados: os assinados e aprovados, e os somente assinados. Ambos são tratados ratificados, porém os primeiros são dotados de eficácia constitucional, e os segundos, por sua vez, são dotados de eficácia infraconstitucional.

É preciso estar atento para o seguinte fato: ao estabelecer que os tratados aprovados "em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais", está o Poder Constituinte derivado afirmando que os tratados que não passarem por tal procedimento não terão vigor constitucional, e isso exige muita atenção e cautela.

Será o Congresso, enquanto instância política, que definirá o status constitucional de um tratado. Temos, então, consequências de duas ordens:

É evidente que a credibilidade do Brasil perante os signatários de outros tratados estaria profundamente abalada por um motivo essencial: o tratado assinado é originariamente infraconstitucional e somente após a aprovação do Congresso tem dignidade constitucional. Portanto, os co-signatários do tratado só terão plena certeza de sua eficácia no território brasileiro após a aprovação no Congresso pois, caso não seja aprovado, poderá ser facilmente revogado por um tratado constitucional ou pela própria norma constitucional em sentido estrito.

3.3. A empreitada jurisprudencial e doutrinária

A jurisprudência e a doutrina terão uma tarefa importante nesta empreitada. No eventual conflito entre tratados, deverá analisar caso a caso qual deve prevalecer, recorrendo principalmente à ponderação e à razoabilidade. Na hipótese de conflitos entre tratados constitucionais e infraconstitucionais, o critério da temporalidade e da espacialidade é insuficiente. Na questão da temporalidade, é insuficiente porque um tratado infraconstitucionalposterior a um tratado constitucional não pode revogá-lo. Na questão da espacialidade, é insuficiente porque um tratado constitucional pode revogar uma norma ordinária nacional ou um tratado infraconstitucional.

Um problema mais amplo diz respeito à votação no Congresso de um tratado que dispõe de forma diversa ao tratado constitucional já devidamente aprovado. Como, então, resolver o conflito entre um tratado constitucional e um tratado infraconstitucional que foi assinado e está sendo votado no Congresso?

Logicamente, este tratado infraconstitucional não goza de status constitucional, mas há a possibilidade efetiva de gozar. Sendo assim, ele deve ser revogado antes de ser observado o seu status definitivo? O simples fato de estar no ordenamento jurídico já o retira a possibilidade de ser aprovado no Congresso, posto que está em conflito com o tratado constitucional?

Entende-se, desta forma, que é razoável o reconhecimento de uma “garantia” que assegure ao tratado, enquanto não for aprovado no Congresso, a sua eficácia infraconstitucional, mesmo que, a priori, esteja em discordância com o tratado constitucional. Deve-se, portanto, dar chance deste novo tratado também receber o status de constitucional, de modo que possa entrar em conflito com outro tratado constitucional. Caso contrário, se não fosse concedida esta chance, o tratado constitucional seria comparado a uma cláusula petrea, já que todo e qualquer tratado que dispusesse o contrário não poderia opô-lo constitucionalmente e, de antemão, não poderia estar no ordenamento jurídico.

3.4. A prerrogativa de conferir status

Diante do exposto, devemos refletir sobre o poder diferenciado do Congresso ao qualificar o status constitucional de um tratado.

Segundo J. F. Rezek[5], "Tratado é o acordo formal, concluído entre sujeitos de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos jurídicos” (Rezek, 1984:21). Ou seja, o tratado é a norma jurídica produzida mediante um ato de vontade estatal num contexto em que se presume a igualdade formal entre as partes; ato que consuma uma relação jurídica de direito internacional e que funda a obrigatoriedade da aplicação da norma internacional mediante os princípios do pacta sunt servanda e da boa-fé.

Portanto a noção de tratado remete a um acordo político entre dois ou mais Estados no sentido de promover cooperações e alianças de naturezas diversas. Logo, passa pela discricionariedade do Chefe de Governo - no caso do Brasil é o Presidente - atendendo ao critério do interesse nacional. Interessante observar que discricionariedade não se confunde com arbitrariedade, sendo aquela uma manifestação de vontade devidamente justificada, ao passo que esta não necessita de motivos fundamentados.

Neste sentido, o tratado é, em geral, formado pela congregação dos poderes executivos de determinados países visando um objetivo comum. O poder legislativo, de outro lado, fica responsável pela sua ratificação. E o poder judiciário, por fim, dotou-os de status infraconstitucional.

Como vimos, o novo parágrafo leva à conclusão da existência de uma faculdade - e não dever - do Congresso de proceder ou não a conferência do status constitucional de um tratado internacional. Portanto, o Constituinte derivado consentiu a coexistência de tratados internacionais com valor de norma constitucional e outros sem este valor. Frisa-se que, se há as duas possibilidades, é porque o Congresso detém faculdade sobre o tema e, se existe essa faculdade, há igualmente discricionariedade.

De certa forma, o tratado assinado passa por dois processos distintos e não-vinculados:

Cumpre, então, refletir se é razoável que o poder legislativo, por si só, tenha a faculdade de conferir o status constitucional a um tratado e não conferir a outro. Ao longo deste artigo, observou-se que o tratado que não fosse aprovado pelo Congresso não teria credibilidade efetiva perante os outros Estados signatários. Portanto, o poder de qualificar um tratado, que é detido pelo Congresso, tem um peso político muito maior do que o do Presidente, pois é o legislativo quem reconhecerá, em última instância, a sua eficácia no ordenamento jurídico nacional, cumprindo ao executivo somente inseri-lo neste ordenamento.

Seria, portanto, legítimo que um poder interferisse de maneira tão incisiva em outro, de modo a ter a prerrogativa de qualificar os tratados que este eventualmente o faça? O Congresso, ao ter esta faculdade, atuará como um verdadeiro “termômetro” internacional porque, ao conferir eficácia constitucional a um tratado, estará revogando os infraconstitucionais que disporem o diverso e também estará dificultando a alteração deste tratado constitucional por outro que não seja constitucional.

Através dos critérios de proporcionalidade e de razoabilidade, este poder não deve ficar com o poder legislativo, pois este não deve deter a (in)segurança de algo que está para além de suas fronteiras políticas. Da mesma forma, não poderia ficar com uma instância supra-nacional, pois ofende diretamente a soberania dos Estados; e nem com o poder executivo, pois este não tem prerrogativa de juízo sobre constitucionalidade de normas, ou seja, não pode determinar o que é constitucional ou não. Deve, assim, ser de responsabilidade do poder judiciário, por intermédio do STF, que é o guardião da Constituição e da sua unidade.

4. CONCLUSÃO: A IMPORTÂNCIA DA PONDERAÇÃO E DA RAZOABILIDADE

Segundo Anthony Giddens[6], um dos elementos-chave para pensar a estrutura social é a contingência, que se traduz na categoria consequências impremeditadas. Esta categoria visa responder a seguinte pergunta: como os indivíduos podem agir de forma diferente da que agiram, descaracterizando a previsibilidade completa das ações? (Giddens, 2003:introd.)

A noção de consequências impremeditadas da ação representa a impossibilidade de se prever uma ação plenamente, pois esta pode gerar consequências que não foram previstas de antemão. Contrapõe-se, portanto, ao racionalismo, o qual pressupõe que toda ação pode ser previsível desde que aplicados métodos lógicos e racionais. No caso específico do § 3º inserido no artigo 5º, a possibilidade de conferir aos tratados sobre direitos humanos a qualidade de norma constitucional é positiva e importante. Entretanto, é possível que haja consequências impremeditadas nesta atitude. Pudemos evidenciar que este dispositivo trará consequências complexas para o ordenamento jurídico nacional, tanto no campo doutrinário quanto no campo jurisprudencial. Não obstante, o abalo que este parágrafo traz para o ordenamento jurídico nacional e para a situação política do país perante os co-signatários é de extrema delicadeza.

Uma maneira possível - porém, confesso, ainda insuficiente - de diminuir o impacto deste dispositivo é conferir ao Poder Judiciário, por intermédio do Supremo Tribunal Federal, a prerrogativa de dotar de status constitucional os tratados, já que é um órgão muito menos político e volátil do que o Legislativo ou o Executivo. É o STF que zela pelo Princípio da Unidade da Constituição, de modo que esta tarefa lhe cabe muito mais do que qualquer outro poder da União.

Desta forma, apresento o texto do parágrafo que melhor se adequaria aos fatos, o que não quer dizer que ele seja o ideal:

“§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados no Supremo Tribunal Federal serão equivalentes às emendas constitucionais”.

Deve-se, pois, reconhecer que o processo de aprovação de uma emenda constitucional é típico do poder legislativo. Por outro lado, o reconhecimento do status constitucional de uma lei ou um tratado é típico do STF. Utilizando-se da ponderação, é mais razoável que a prerrogativa de conferir status seja do STF, mesmo que este status seja comparado a uma emenda constitucional, que é função típica do Congresso. Baseia-se, aqui, o princípio da razoabilidade e da ponderação de interesses, cuja restrição ao poder legislativo é adequada, necessária e advém do conflito de princípios.

Logicamente, a prerrogativa pura e simples do STF também apresentaria inconvenientes. Assim, é preciso que haja um fórum que discuta o tratado, cujos participantes são membros do executivo, judiciário e legislativo, e também pessoas da sociedade civil organizada. Talvez este fórum já tenha seu embrião no recente Conselho Nacional de Justiça, que realiza o controle externo do poder judiciário e, em consequência, encontrar-se-ia intimamente relacionado ao processo de reconhecimento do status constitucional de tratados pelo STF. Assim, a partir do diálogo e da discussão perene, a conferência do status constitucional a um tratado teria respaldo social e político, adquirindo legitimidade em todos os níveis da sociedade.

Conclui-se, assim, que o advento do novo parágrafo, muito embora avance em determinadas questões, multiplicará os problemas que envolvem questões mais amplas, como a segurança jurídica internacional, a credibilidade do país e a unidade constitucional. Por este motivo, não é salutar, a longo prazo, a presença deste parágrafo sem uma ação jurisprudencial forte e coerente de modo a minimizar as suas diversas consequências.

5. Referências bibliográficas

GIDDENS, Anthony. A Constituição da Sociedade. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2003

MORAES, Alexandre de Moraes. Constituição do Brasil Interpretada. São Paulo: Editora Atlas, 2003

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996

REZEK, José Francisco. Direito dos tratados. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1984

SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001

Notas:

[1] Para fins analíticos: “tratado internacional” quer dizer aquele que ainda não recebeu, em definitivo, o seu status constitucional ou infraconstitucional; “tratado infraconstitucional” quer dizer aquele que recebeu o statusde norma ordinária; e “tratado constitucional” quer dizer aquele que recebeu o status de norma constitucional

[2] No livro Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional

[3] No livro A Eficácia dos Direitos Fundamentais

[4] No livro Constituição do Brasil Interpretada

[5] No livro Direito dos tratados

[6] No livro A Constituição da Sociedade

Informações Sobre o Autor

Felipe Dutra Asensi

Pesquisador em direito constitucional, instituições democráticas e processos decisórios. Também analisa os efeitos da Globalização nos diversos institutos jurídicos brasileiros.

(Fonte: http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1334, data de acesso 10/12/2017)

O papel do Perito Judicial

*Gilberto Melo

Introdução

A grande maioria das perícias que são impropriamente chamadas de contábeis na verdade são perícias financeiras, envolvendo a necessidade de que o perito tenha conhecimentos aprofundados de matemática financeira e habilidade mínima com a interpretação de contratos e da matéria legal em geral. A participação do Perito Judicial como auxiliar da justiça (art. 149 do CPC 2015) é de grande importância na prestação jurisdicional quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico (art. 156 do CPC 2015). O Perito, como todo ser humano, é sujeito por todo o tempo a reações e interações com o meio.

2. O papel do perito judicial

Todos nós um impulso devido à nossa formação, hábitos e referências, de tomar partido de todos os eventos à nossa volta, de uma forma ou de outra, influenciados por diferentes motivações. Se isto acontece em todos os momentos do cotidiano, quando enxergamos as situações de maneira polarizada, com muito mais razão, consciente ou inconscientemente, o perito judicial pode ser levado a inclinar-se para uma ou outra tese ou posição defendida em um processo onde atua.Há que se lembrar que a própria instauração de um processo estabelece uma situação de conflito, que a partir dos posicionamentos das partes e advogados nos autos leva a qualquer um que tenha acesso ao processo uma carga emocional forte, que pode eventualmente arrastá-lo a uma tomada de posição, a um juízo de valor. Além de impregnar-se com a carga emocional do conflito, certamente estará influenciado pelas “verdades” interiores adquiridas ao longo de sua vida. O perito está sujeito a cair nesta armadilha ou em outras, ou seja:• Sentir-se na responsabilidade de “decidir” o processo, assumindo para si o ônus da prestação jurisdicional. Se os quesitos conduzem a mais de uma hipótese de solução da controvérsia e se a definição por uma ou outra hipótese depende de matéria de direito deve o perito apresentar em seu laudo as diferentes alternativas, com a ressalva dos respectivos aspectos influenciáveis. Por mais que salte à vista do perito qual seria a hipótese legalmente adequada, deve ele apenas apresentar todas as possibilidades em seu laudo, deixando para o juiz analisar a matéria legal, a interpretação da lei.

Além dessas ciladas de ordem subjetiva a que pode sucumbir o perito, está ele sujeito a não compreender a real natureza de sua função como auxiliar da justiça que em termos seria:

É importante lembrar que como Auxiliar da Justiça e gozando da confiança do Juiz que o nomeou, tem o Perito o dever de manifestar-se sobre estes pontos ocultos não revelados pelas partes em seus quesitos, sob pena de contribuir, por omissão, com a prolação de uma decisão equivocada, por se fundar em análise técnica que não aborde todas as variáveis envolvidas.

A linha divisória entre o limite até o qual pode ir o perito e a partir do qual terá que recuar, é tênue, entretanto. A vigilância tem que ser constante pelo perito, para que se movimente nas fronteiras de suas atribuições procurando o ponto ótimo que melhor esclareça as questões de fato, sem adentrar, contudo, na matéria de direito ou em outras especialidades que não a sua. Outro evento inquietante para o perito e que ocorre muitas vezes na prática é que há perícias nas quais as questões suscitadas na quesitação não atingem o cerne da questão. As partes se movimentam pelas bordas, muitas vezes pelo receio de que indo ao ponto estariam arriscando-se a abrirem a guarda e tornarem seus direitos mais vulneráveis ao invés de consolidá-los.

A consequência é que os quesitos nesta hipótese são formulados de maneira a tocarem apenas a superfície do conflito ou a abordarem aspectos que nada influem no objeto da pretensão colocada em Juízo. Neste caso a cautela do perito deve ser reforçada, pois no ímpeto de ver analisados os fatos essenciais ao deslinde da questão, pode acabar extrapolando os limites estabelecidos pelas partes através da quesitação.

Situação peculiar que acontece regularmente é a de processos que parecem ao perito tão claramente resolvidos com o que consta dos autos que ele não se permite avançar na investigação da matéria de fato, limitando-se a referendar determinados pontos de vista que entendem estarem consolidados nos autos. Exemplo típico é o das ações fiscais, sejam anulatórias ou execuções, onde já se percorreu um longo trajeto na esfera administrativa, através de recursos e pedidos de reconsideração que via de regra já contemplaram o princípio da ampla defesa naquele âmbito. Ocorre que quando se instaura o processo judicial, abre-se a possibilidade de um questionamento amplo sobre todo o conteúdo do processo tributário administrativo. O perito deve então abstrair-se de todo o processado nos autos administrativos e dedicar-se a uma revisão da matéria de fato desde a estaca zero, respeitando, é claro, os limites colocados pelo quesitos formulados e limitando-se à área de sua especialidade.

Os usuários da prova pericial, principalmente as partes através de seus advogados, colocam-se em relação ao trabalho do perito do Juízo de forma muitas vezes hostil, quer alegando parcialidade, quer alegando ter ficado “em cima do muro”. Esta reação é perfeitamente natural, visto que as partes exercem o seu direito de alegar o que quiserem na defesa de seus interesses. Entretanto, a partir da análise dos aspectos que levantamos linhas atrás, pode-se perceber que o munus pericial é muito mais complexo do que pode parecer a princípio, não se limitando à visão simplista de que o perito deve colocar-se de acordo com uma ou outra tese, favorável a uma ou outra parte. Este é o posicionamento típico do nosso sistema jurídico, mas que não deve ser estendido ao trabalho técnico de um perito, a quem não cabe dar razão a um ou outro, mas apresentar somente os fatos para que o Juiz possa decidir.

3. Conclusão

O perito é o olho técnico do Juiz, cabendo-lhe a análise desapaixonada da matéria de fato, abstendo-se de manifestar-se sobre matéria de direito ou fazer conclusões que possam induzir em erro o Juiz da causa, por conterem juízo de valor, mesmo que velado. Às partes e ao Ministério Público, se for o caso, sob a presidência do Juiz da causa, cabe orientar o curso da prova através de quesitos objetivos que removam a cortina de fumaça existente sobre a matéria de fato, não imputando ao perito a responsabilidade de dar rumo definitivo à solução do conflito.

* O Autor é parecerista jurídico-econômico-financeiro, especialista em liquidação de sentença e cálculos judiciais, extrajudiciais e de precatórios, propositor da tabela uniforme de fatores de atualização monetária para a Justiça Estadual aprovada no 11º ENCOGE, engenheiro, advogado e pós-graduado em contabilidade, com site em http://www.gilbertomelo.com.br.

(Fonte: http://gilbertomelo.com.br/o-papel-do-perito-judicial/, data de acesso 10/12/2017)

Justiça usa Código Penal para combater crime virtual

Publicado por Superior Tribunal de Justiça

Há 9 anos

Crimes contra a honra (injúria, calúnia e difamação), furtos, extorsão, ameaças, violação de direitos autorais, pedofilia, estelionato, fraudes com cartão de crédito, desvio de dinheiro de contas bancárias. A lista de crimes cometidos por meio eletrônico é extensa e sua prática tem aumentado geometricamente com a universalização da internet. Levantamento realizado por especialistas em Direito da internet mostra que atualmente existem mais de 17 mil decisões judiciais envolvendo problemas virtuais; em 2002 eram apenas 400.

A internet ainda é tida por muitos como um território livre, sem lei e sem punição. Mas a realidade não é bem assim: diariamente, o Judiciário vem coibindo a sensação de impunidade que reina no ambiente virtual e combatendo a criminalidade cibernética com a aplicação do Código Penal, do Código Civil e de legislações específicas como a Lei n. 9.296 que trata das interceptações de comunicação em sistemas de telefonia, informática e telemática e a Lei n. 9.609 que dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programas de computador.

Na ausência de uma legislação específica para crimes eletrônicos, os tribunais brasileiros estão enfrentando e punindo internautas, crakers e hackers que utilizam a rede mundial de computadores como instrumento para a prática de crimes. Grande parte dos magistrados, advogados e consultores jurídicos considera que cerca de 95% dos delitos cometidos eletronicamente já estão tipificados no Código Penal brasileiro por caracterizar crimes comuns praticados por meio da internet. Os outros 5% para os quais faltaria enquadramento jurídico abrangem transgressões que só existem no mundo virtual, como a distribuição de vírus eletrônico, cavalos-de-tróia e worm (verme, em português).

Para essa maioria, a internet não é um campo novo de atuação, mas apenas um novo caminho para a realização de delitos já praticados no mundo real, bastando apenas que as leis sejam adaptadas para os crimes eletrônicos. E é isso que a Justiça vem fazendo. Adaptando e empregando vários dispositivos do Código Penal no combate ao crime digital.

E a lista também é extensa: insultar a honra de alguém (calúnia artigo138), espalhar boatos eletrônicos sobre pessoas (difamação artigo 139), insultar pessoas considerando suas características ou utilizar apelidos grosseiros (injúria artigo 140), ameaçar alguém (ameaça artigo 147), utilizar dados da conta bancária de outrem para desvio ou saque de dinheiro (furto artigo 155), comentar, em chats, e-mails e outros, de forma negativa, sobre raças, religiões e etnias (preconceito ou discriminação artigo 20 da Lei n. 7.716 /89), enviar, trocar fotos de crianças nuas (pedofilia artigo 247 da Lei n. 8.069 /90, o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA).

No caso das legislações específicas, as mais aplicadas são as seguintes: usar logomarca de empresa sem autorização do titular, no todo ou em parte, ou imitá-la de modo que possa induzir à confusão (crime contra a propriedade industrial artigo 195 da Lei n. 9.279 /96), monitoramento não avisado previamente (interceptação de comunicações de informática artigo 10 da Lei n. 9.296 /96) e usar cópia de software sem licença (crimes contra software Pirataria artigo 12 da Lei n. 9.609 /98).

Consolidando dispositivos

O STJ, como guardião e uniformizador da legislação infraconstitucional, vem consolidando a aplicação desses dispositivos em diversos julgados. Nos casos de pedofilia, por exemplo, o STJ já firmou o entendimento de que os crimes de pedofilia e divulgação de pornografia infantil por meios eletrônicos estão descritos no artigo 241 da Lei n. 8.069 /90 (apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive pela rede mundial de computadores ou internet, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente), e previstos em convenção internacional da qual o Brasil é signatário.

Mais do que isso: a Corte concluiu que, por si só, o envio de fotos pornográficas pela internet (e-mail) já constitui crime. Com base no artigo 241do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os ministros da Quinta Turma do STJ cassaram um habeas-corpus concedido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) que determinava o trancamento de uma ação penal sob o argumento de que o ECA definiria como crime apenas a "publicação" e não a mera "divulgação" de imagens de sexo explícito ou pornográficas de crianças ou adolescentes.

Em outro caso julgado, a Turma manteve a condenação de um publicitário que participou e filmou cenas eróticas envolvendo crianças e adolescentes. Ele foi denunciado pelo Ministério Público de Rondônia com base no artigo 241 do ECA, nos artigos 71 e 29 do Código Penal (crime continuado e em concurso de agentes) e por corrupção de menores (Lei n. 2.252 /54: constitui crime, punido com a pena de reclusão de um a quatro anos e multa, corromper ou facilitar a corrupção de pessoa menor de 18 anos, com ela praticando, infração penal ou induzindo-a a praticá-la).

Os casos de furto e estelionato virtual também já foram devidamente enquadrados pela Corte. A Terceira Seção do STJ consolidou o entendimento de que a apropriação de valores de conta-corrente mediante transferência bancária fraudulenta via internet sem o consentimento do correntista configura furto qualificado por fraude, pois, nesse caso, a fraude é utilizada para burlar o sistema de proteção e vigilância do banco sobre os valores mantidos sob sua guarda. Também decidiu que a competência para julgar esse tipo de crime é do juízo do local da consumação do delito de furto, que se dá no local onde o bem é subtraído da vítima.

Em outra decisão, relatada pelo ministro Felix Fischer, a Quinta Turma do STJ definiu claramente que, mesmo no ambiente virtual, o furto subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel"(artigo 155 do Código Penal) mediante fraude não se confunde com o estelionato"obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento"(artigo 171 do Código Penal) já que no furto a fraude é utilizada para burlar a vigilância da vítima e, no estelionato, o objetivo é obter consentimento da vítima e iludi-la para que entregue voluntariamente o bem.

Crimes contra a honra

Em uma ação envolvendo os chamados crimes contra a honra praticados pela internet, o desembargador convocado Carlos Fernando Mathias de Souza manteve a decisão da Justiça gaúcha que condenou um homem a pagar à ex-namorada indenização por danos morais no valor de R$ 30 mil por ter divulgado, pela internet, mensagens chamando-a de garota de programa. No recurso julgado, a ex-namorada alegou que, após a falsa publicação de e-mails com seus dados pessoais junto com uma fotografia de mulher em posições eróticas, ela passou pelo constrangimento de receber convites por telefone para fazer programas sexuais.

Em outro julgado, a Quarta Turma do STJ determinou que o site Yahoo! Brasil retirasse do ar página com conteúdo inverídico sobre uma mulher que ofereceria programas sexuais. A empresa alegou que o site citado foi criado por um usuário com a utilização de um serviço oferecido pela controladora americana Yahoo! Inc., portanto caberia a essa empresa o cumprimento da determinação judicial.

Em seu voto, o relator do processo, ministro Fernando Gonçalves, sustentou que a Yahoo! Brasil pertence ao mesmo grupo econômico e apresenta-se aos consumidores utilizando a mesma logomarca da empresa americana e, ao acessar o endereço trazido nas razões do recurso como sendo da Yahoo! Inc. http://www.yahoo.com, abre-se, na realidade, a página da Yahoo! Brasil. Diante desses fatos, o ministro conclui que o consumidor não distingue com clareza as divisas entre a empresa americana e sua correspondente nacional.

A Terceira Turma decidiu que ação de indenização por danos morais pode ser ajuizada em nome do proprietário de empresa vítima de mensagens difamatórias em comunidades do site de relacionamentos Orkut. O tribunal considerou legítima a ação proposta por um empresário de Minas Gerais contra duas pessoas que teriam difamado o seu negócio de criação de avestruzes, causando-lhe sérios prejuízos. Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, as mensagens divulgadas na internet não foram ofensivas somente ao empresário e a seu filho, mas também ao seu comércio de aves.

Atrás das grades

Aplicando os dispositivos do Código Penal, o STJ vem negando habeas-corpus a acusados e condenados por diversas modalidades de crimes eletrônicos. Entre vários casos julgados, a Corte manteve a prisão do hacker Otávio Oliveira Bandetini, condenado a 10 anos e 11 meses de reclusão por retirar irregularmente cerca de R$ 2 milhões de contas bancárias de terceiros via internet; negou o relaxamento da prisão preventiva de um tatuador denunciado por divulgar fotos pornográficas de crianças e adolescentes na internet; de um acusado preso em operação da Polícia Federal por participar de um esquema de furto de contas bancárias; de um hacker preso pelos crimes de furto mediante fraude, formação de quadrilha, violação de sigilo bancário e interceptação telemática ilegal; e de um técnico em informática de Santa Catarina acusado de manipular e-mails para incriminar colegas de trabalho.

O Tribunal também enfrentou a questão da ausência de fronteira física no chamado ciberespaço ao entender que, se o crime tem efeitos em território nacional, deve-se aplicar a lei brasileira. No caso julgado, um acusado de pedofilia alegou que as fotos pornográficas envolvendo crianças e adolescentes foram obtidas no sítio da internet do Kazaa, um programa internacional de armazenamento e compartilhamento de arquivos eletrônicos sediado fora do Brasil. A Corte entendeu que, como o resultado e a execução ocorreram em território nacional, o fato de os arquivos terem sido obtidos no Kazaa, com sede no estrangeiro, seria irrelevante para a ação.

O Poder Legislativo ainda não concluiu a votação do projeto de lei que visa adequar a legislação brasileira aos crimes cometidos na internet e punir de forma mais rígida essas irregularidades. O projeto, que já foi aprovado pelo Senado, define os crimes na internet, amplia as penas para os infratores e determina que os provedores armazenem os dados de conexão de seus usuários por até três anos, entre outros pontos.

Enquanto a lei que vai tipificar a prática de crimes como phishing (roubo de senhas), pornografia infantil, calúnia e difamação via web, clonagem de cartões de banco e celulares, difusão de vírus e invasão de sites não é aprovada no Congresso Nacional, o Poder Judiciário continuará enquadrando os criminosos virtuais nas leis vigentes no mundo real, adaptando-as à realidade dos crimes cometidos na internet.

Superior Tribunal de Justiça

Criado pela Constituição Federal de 1988, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) é a corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil, seguindo os princípios constitucionais e a garantia e defesa do Estado de Direito.

(Fonte: https://stj.jusbrasil.com.br/noticias/234770/justica-usa-codigo-penal-para-combater-crime-virtual, data de acesso 10/12/2017)