A edição 16 chega com muitas novidades e uma intensa participação de organismos humanitários que nos enviam as suas informações ajudando-nos nesta coleta de dados que tanto interessam aos estudiosos e especialistas nas questões de gênero feminino.
Também ficamos contentes por terem nos enviados tantos convites para os seus eventos e para participarmos dos concursos que por ora realizam. Para nós, isto simboliza que estamos alcançando os objetivos de nossa missão, a qual é a de promover, divulgar e valorizar o que as mulheres arregimentadas nas entidades fazem em benefício da sociedade brasileira.
Esperamos que você aprecie esta coleção de informações e que nos envie suas sugestões, críticas e notícias, para que cada vez possamos desenvolver a corrente da amizade fraterna e social nas conquistas femininas. Aceite nosso abraço com muitos votos de sucesso,
Elisabeth Mariano e equipe ESPAÇO MULHER.
Para informações, críticas, sugestões, envio de notícias, para anunciar, contate-nos.
"Alguns comentários para contar os antecedentes: Desde que se decretou o 21 de junho como "Dia Nacional para uma Educação Não Sexista" em 1999, o Certame de Literatura Não Sexista tem estado vinculado estreitamente a comemoração desta data, sendo seu encerramento a atividade principal. Por seu lado, esse encerramento é uma atividade lúdica e festiva dirigida principalmente aos estudantes jovens que participam do Certame. Para o presente ano, abrimos uma categoria para escritoras. Nesse aspecto, estamos pleiteando que o ponto de debate seja o caráter sexista da literatura e que as pessoas participantes sejam escritoras, editorialistas, docentes universitários de literatura e áreas afins.
Por outro lado, creio que todos sabem, que neste ano, no marco de ação dos Acordos de Dakar (Conferência de Educação para todos e todas) foi escolhido o objetivo 5, como eixo de reflexão no nível internacional, com a Semana de Ação dedicada a esse objetivo com o lema: "Levantemos a mão pela educação das meninas". Nessa semana, realizamos uma série de atividades, entre elas um fórum sobre a problemática de acesso das meninas a educação e pensamos que este poderia ser outro eixo a ser retomado também para a próxima data."
"No dia 26 de marco foi aberta a IV Convocatória do Certame de Criação Literária não Sexista de Las Dignas, e o prazo de inscrição das obras se encerrará no próximo dia 24 de maio. As criações deverão incorporar a análise das relações desiguais entre mulheres e homens e de injustiça entre elas. Da Categoria I a IV, o Certame consistirá em uma criação literária sobre a vivencia do sexismo das meninas e mulheres na escola. Na Categoria V, para escritores e escritoras, as obras apresentadas versarão sobre as limitações das mulheres para aceder de forma eqüitativa aos diferentes espaços da vida."
Para ampliar informação, escrever para: dignas.educacion@integra.com.sv.
"A Organização das Nações Unidas (ONU) recebeu, em 2 de abril, em Genebra, o Relatório Brasileiro sobre Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais 2003. O documento foi produzido pelos seis relatores e relatoras nacionais, nomeados em outubro de 2002, após indicações de organizações da sociedade civil, pela Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais (Plataforma DhESC), com o apoio e a parceria do programa de Voluntários das Nações Unidas (UNV) e da Secretaria Especial de Direitos Humanos".
"Relatores e relatoras têm mandato para receber comunicações ou denúncias de violações aos direitos humanos, realizar missões aos Estados para investigar situações destes direitos, elaborar reuniões periódicas e relatórios anuais. São eles/as: Flavio Luiz Schieck Valente (Direito Humano à Alimentação, Água e Terra Rural), Jean-Pierre Leroy (Dh ao Meio Ambiente), Eleonora Menicucci de Oliveira (Dh à Saúde), Nelson Saule Jr. (Dh à Moradia Adequada), Sérgio Haddad (Dh à Educação) e Lucila Bandeira Beato (Dh ao Trabalho)".
"A apresentação do Relatório foi feita em uma audiência entre os relatores da ONU e quatro relatores brasileiros - entre eles Sérgio Haddad, presidente da Abong -, liderados pelo coordenador do Projeto Relatores Nacionais em DhESC e organizador do Relatório, Jayme Benvenuto Lima Jr".
"A grande importância deste trabalho pode ser dimensionada já na síntese da conjuntura nacional, efetuada por Benvenuto, no Relatório: apesar de ocupar atualmente a 11a posição na economia do mundo, o Brasil conta com uma enorme dívida em matéria de respeito aos direitos humanos econômicos, sociais e culturais. Estima-se que 50 milhões de brasileiros vivam na linha abaixo da pobreza. O país conta com uma Constituição das mais avançadas, leis e programas nacionais favoráveis aos direitos humanos, mas continua com uma situação de ampla violação e sem mecanismos práticos de monitoramento da realização prática de direitos".
"Para o coordenador do Projeto, o desafio desses especialistas tem sido o de monitorar a situação dos direitos humanos no Brasil de forma exemplar, o que implica: conhecer profundamente os problemas relacionados ao seu mandato; articular amplos setores sociais, em busca de cooperação e soluções para os problemas verificados; apresentar soluções viáveis por meio de políticas públicas e de novas leis, que venham a melhorar a qualidade de vida da população brasileira."
A íntegra do Relatório pode ser solicitada para a coordenação do Projeto Relatores Nacionais DhESC: (11) 3826-0133, com Magali Godói. E-mail: relatores@dhescbrasil.org.br.
"Vem pra Roda, Vem pra Rede! - Guia de apoio à construção de redes de serviços para enfrentamento da violência contra a mulher é a mais recente publicação da ONG Rede Mulher de Educação (RME), que está sendo distribuída para organismos governamentais de direito da mulher de todo o Brasil e para ONGs que atuam no enfrentamento da violência contra mulheres e na promoção dos direitos humanos. De autoria de Denise Carreira e Valéria Pandjiarjian, esta edição é fruto de dois projetos realizados pela Rede Mulher."
"A publicação é fruto dos projetos intitulados "Superando obstáculos nas Estratégias de Prevenção à Violência contra a Mulher" e "Tecendo a Rede de Serviços na Prevenção à Violência contra a Mulher nos Municípios - Desafios e Propostas" coordenados por Moema Viezzer, com consultoria de Berlindes Astrid Kucheman.
O Guia contou com o apoio da GTZ (Cooperação Técnica Alemã) e do UNIFEM (Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher). Está sendo distribuído à organismos governamentais de Direitos da Mulher de todo o Brasil, além de ONG 's que atuam na prevenção e enfrentamento à violência contra a Mulher e na promoção dos Direitos Humanos."
O Guia contém "diversos estudos e documentos nacionais e internacionais e apontam para o fato de que a violência contra a Mulher exige ações integradas para o enfrentamento mais efetivo do problema. Entre elas, a construção de redes de serviços públicos que articulem a atuação governamental e não-governamental em áreas como segurança pública, justiça, saúde, educação, assistência social, habitação, entre outras."
"Este Guia é um material de apoio e estímulo à construção dessas redes. Nasce do acúmulo de um conjunto de oficinas realizadas com instituições de diferentes lugares do Brasil. Destinado a organismos de Direitos da Mulher a publicação contém informações, dicas e sugestões de passos e dinâmicas que abordam diferentes aspectos e desafios do processo de construção de redes."
O exemplar tem um custo de 10 reais (incluindo despesa com correio) e pode ser solicitado diretamente na RME: (11)3873-2803. E-mail: rdmulher@redemulher.org.br.
"No dia 19 de maio, às 16 horas, na sede do MUBE - Museu Brasileiro de Escultura, a LIBRA promoverá uma palestra sobre as questões que envolvem a separação judicial, herança, guarda de filhos, dentre outros temas que abordam o Direito de Família no Novo Código Civil. O conferencista será o Dr. Carlos Roberto Gonçalves - Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. A Presidenta da LIBRA é a advogada e empresária Raquel Alessandri."
"No dia 26 de maio, à tarde, no vão livre do MASP, A ABRAG - Associação Brasileira dos Portadores de Glaucoma promoverá atividades alusivas ao Dia Nacional do Combate à Cegueira pelo Glaucoma. Haverá atrações musicais, exposições educacionais da ABRAG e dos programas da Terceira Idade promovidos pela Secretaria de Cultura. Durante o evento, os participantes poderão conhecer a sua pressão intra-ocular e receber orientação gratuita sobre exames preventivos. Haverá transporte gratuito para pessoas com cegueira ou invalidez. Mais informações pelo telefone 5575-2302. o evento é uma parceria da ABRAG com a Secretaria de Cultura."
O principal problema encontrado no processo de ensino e aprendizado da História Africana não é relativo à história e à sua complexidade, mas é com relação aos preconceitos adquiridos num processo de informação desinformada sobre a África.
Prof. Henrique Cunha Jr
A primeira vez que nos preocupamos objetivamente com o aprendizado e o ensino de história africana foi em 1976 quando da organização da "Escola do Camisa" em São Paulo. Éramos militantes dos movimentos negros e resolvemos por as críticas ao sistema educacionais brasileiros numa realização prática, através de um curso de preparação para exames supletivos realizado nas dependências de Escola de Samba Camisa Verde e Branco. Uma das escolas de samba tradicional de São Paulo e que tinha na sua presidência um grupo de "negros velhos" lutadores partidários de projetos que propiciassem condições de vida sadia e cultura à população negra. Nestes cursos introduzimos pela primeira vez uma seção semanal de História Africana que ficou a cargo do Osvaldo Rafael. Eu lecionava a história do Brasil e me pus também a aprender História Africana estudando o material disponível que era pouco e precário na época.
A partir de 1990 retomei a questão do ensino de história africana, agora com melhor informação e reflexão, dentro de uma perspectiva de formação introdutória à educadores da rede pública, militantes dos movimentos negros e lideranças sindicais.
Tendo ensinado por estes anos a Introdução à História Africana, para diversas audiências, com diversas formações, em diversos contextos e regiões e diversos níveis de escolaridade, como para os pós-graduandos em educação ou para participantes de comunidades de bairros periféricos, no momento de redigir esta nota realizei uma reflexão sobre os pontos comuns destas experiências. Conclui que duas atitudes tinham sido comuns a todos os grupos, uma delas era a perplexidade diante da riqueza impensável na sociedade brasileira sobre as sociedades africanas, a outra era a resistência. A resistência em admitir a possibilidade de uma nova verdade, de uma história, como outras histórias, dos africanos e das populações negras através do mundo.
Neste curto texto procuro reunir as principais dificuldades encontradas no processo de ensino e aprendizado da história Africana.
Aprender história é um exercício por vezes difícil, onde contracenam o real e o imaginário. Precisa-se da imaginação que transcenda os fatos e reproduza a complexidade das atividades humanas como um filme explicativo, questionador, repleto de conceitos, propósitos e dúvidas. Sobretudo porque a dúvida é o elemento principal na composição do filme da história. A dúvida e não a descrença. Mas trabalhos de ensino de História Africana aparecem inicialmente como uma sistemática descrença nas possibilidades civilizatórias. Acompanhando a descrença um bloqueio à imaginação.
O principal problema encontrado no processo de ensino e aprendizado da História Africana não é relativo à história e à sua complexidade, mas é com relação aos preconceitos adquiridos num processo de informação desinformada sobre a África. Estas informações de caráter racistas, produtoras de um imaginário pobre e preconceituoso, brutalmente erradas, extremamente alienantes e fortemente restritivas. Seu efeito é tão forte que as pessoas quando colocadas em frente a uma nova informação sobre a África tem dificuldade em articular novos raciocínios sobre a história deste continente, sobretudo de imaginar diferente do raciocínio habitual.
A imagem do Africano na nossa sociedade é a do selvagem acorrentado à miséria. Imagem construída pela insistência e persistência das representações africanas como a terra dos macacos, dos leões, dos homens nus e dos escravos.
Quanto aos povos asiáticos e europeus as platéias imaginam, castelos, guerreiros e contextos históricos diversos. Quanto à História Africana só imaginam selva, selva, selva, deserto, deserto e tribos selvagens perdidas nas selvas.
Há um bloqueio sistemático em pensar diferente das caricaturas presentes no imaginário social brasileiro.
As informações novas geram uma constante desconfiança, tendo ocorrido mais de uma vez a pergunta, se eram sobre a África aquelas informações. Quando se desenvolvem tópicos sobre a indústria têxtil africana e as exportações de tecido para a Europa no passado, ou mesmo a informação de que a África precedeu a Europa no uso de roupas, há uma inquietação, um conflito emocional onde a dúvida é persistente.
O elemento básico para Introdução à História Africana não está na história africana e sim na desconstrução e eliminação de alguns elementos básicos das ideologias racistas brasileiras.
O cotidiano brasileiro é povoado de símbolos de negros selvagens e escravos amarrados, que processam e administram o escravismo mental e realizam a tarefa de feitores invisíveis a chicotear a menor rebeldia o imaginar diferente.
Acredito serem cinco os pontos importantes a serem desconstruídos na imaginação dos brasileiros sobre a África.
Existem outros tópicos, apenas estou citando os cincos mais persistentes, os outros vão no sentido de "burrice do africano". O africano é tido sempre como o diferente com relação aos povos de outros continentes. Os iguais são os europeus e os asiáticos. Diferente no sentido não da diversidade humana, mas de uma hierarquia de valores, onde, uns são certos e os outros errados. Os iguais são certos e os diferentes errados, estes são os conteúdos das idéias que estão no subconsciente que instrui os raciocínios. Nos cursos seguidamente aparecem frase tais como: "o que destrói a África é que eles brigam muito entre si". "Eles não são unidos como os europeus". Ou então surge a pergunta "de onde vem o negro", com ênfase numa possível origem biológica diferente do branco quanto às possibilidades intelectuais.
Muitas vezes, precedendo uma exposição sobre a História Africana utiliza-se o recurso de apresentar cartões postais sobre Abdjan, Dakar, Cidade do Cabo, Lagos e outras capitais africanas informalmente. Quanto a questão se são cidades africanas as expressões incrédulas não escondem um pequeno espanto. Alguns retomam as fotos.
A mesmo exercício também pode ser realizado com fotos de vestuários e de mercados africanos, onde aparece uma diversidade de trajes femininos e masculinos.
A terceira surpresa ocorre quando da apresentação de uma gravura do Rei Monomotapa de 1531. Rei e Rainhas são do universo do imaginário sobre a Europa e não abrange a África. Faces da admiração abre ensejo para discussão sobre os conceitos e preconceitos em relação às civilizações africanas. A existência de um rei implica uma organização social, um território, uma nação e, através da discussão destes desdobramentos facilita uma desconstrução dos estereótipos da África Selvagem.
As florestas africanas perfazem apenas 1/8 do território continental. São necessárias a introdução de informações geográficas para terem a idéia da possibilidade de existência de vida organizada, cidades com infra-estruturas urbanas desenvolvidas no passado africano.
A percepção errônea de que a África tem apenas paisagens de florestas tropicais leva a imaginar o africano sempre vivendo em choupanas na floresta. Não sobra lugar para cidades imensas ou para plantações, atividades econômicas, agrícolas e pecuárias.
Uma vez que a imagem africana é construída também pelo cinema, é preciso avisar aos incautos que muito dos filmes do gênero Tarzan são rodados nos Estados Unidos em cenários da Flórida.
Em contribuição a imagens construídas de impossibilidades civilizatórias africanas, estas estão sempre ao lado das florestas tropicais e do deserto, também tido como estéril e inabitável. Além disto, o deserto é marcado como divisor de duas hipotéticas Áfricas, uma negra e a outra, por oposição, seria branca. Aqui o exercício de quebra de pressupostos errôneos é um pouco mais difícil. Como recurso didático podemos utilizar as rotas de caravanas comerciais que a séculos fazem percurso através das regiões do Saara. Estas caravanas demonstram a possibilidade de vida cotidiana na região do deserto e da instalação e desenvolvimento de estados nacionais. Outra informação útil é de que o deserto vem progressivamente aumentando, ano a ano, e de que áreas desérticas no presente não o eram no passado. Mapas antigos onde apresentam o Lago do Chade em proporções muito maiores no passado ajudam o raciocínio ou então às explorações arqueológicas onde cidades são desenterradas de onde hoje existe apenas areia.
O recurso às caravanas e aos sítios arqueológicos levam à demonstração de uma integração dos espaços econômicos no deserto do Saara e nas suas periferias justificando uma comunidade histórica comum, o que elimina a possibilidade do artifício de duas Áfricas. Mesmo a diversidade da população não é suficiente para pensarmos em duas Áfricas, uma no Norte e outra no Sul do Saara. Porque não se pensa em Ásias uma vez que existe diferença de população entre a Índia e a China? Porque não se pensa também em duas Europas dadas as diversidades populacionais. O que marca a territorialidade é sobretudo a integração histórica. Portanto, utilizando o mesmo método existe apenas uma África, com diversas populações e diversas culturas.
Outras imagens surpresas são das populações do Quênia ou do Zimbabue utilizando roupas de lã. A idéia de floresta tropical elimina a da diversidade climática criada pela topografia e pela latitude. Transmite errônea impressão que não existem regiões com neve nas montanhas africanas. Que os climas do continente não sofrem alternativas de climas quentes, temperados e frios, variando com as estações do ano e as regiões.
A fantasia ou pesadelo da tribo dos homens nus leva pensarmos e África como um conjunto de povos dispersos na mata e incomunicáveis uns com os outros. Esta imagem é reforçada pela insistência numa diversidade lingüística africana e nas hipóteses improváveis da história brasileira de que os escravisadores colocavam africanos de origens diferentes na mesma fazenda e nas moradias para evitar a comunicação entre eles e, portanto, evitar a possibilidade de rebeliões.
A começar pela História do Brasil, onde as rebeliões sempre existiram, o que é possível imaginar que a língua não é empecilho. Ainda mais, seria impossível organizar um sistema de produção onde os trabalhadores não conseguissem se comunicar.
Indo à realidade africana lingüística, temos que notar que todas as línguas provem de apenas quatro matrizes lingüísticas. Que no continente africano, hoje como no passado, diversas línguas são compreendidas por povos diversos. Ainda mais que, existem línguas como o Árabe e o Suarili que são faladas em quase todo o continente. Não existem para o africano barreiras lingüísticas, de comunicação entre os diversos povos e nações. As dificuldades ou facilidades lingüísticas na África não são diferentes das Européias ou Asiáticas.
Nessa discussão de línguas, de facilidades e dificuldades aparece freqüentemente a intervenção de um outro possível fator explicativo das supostas dificuldades lingüísticas da integração na África e de facilidade na Europa que seria a escrita. A observação trás a cena dois pressupostos falaciosos, o primeiro é que os africanos antes de 1400 não conheciam a escrita e outro de que o europeu sempre a conheceu.
Começamos pelo europeu, cabe perguntarmos desde quando e como adquiriram a escrita, também desde quando esta se popularizou.
Poucas pessoas na nossa cultura têm presente a idéia que o europeu adquiriu a escrita de outros povos e que somente com a expansão do Império Romano esta escrita chega ao conjunto do território europeu. Poucos são os textos que informam do estado de atraso e ignorância que viveu a Europa até a Idade Média, por volta de 1200 e, que a saída para o desenvolvimento vem através das cruzadas indo para territórios da África e da Ásia. Como exemplo temos a medicina européia, resultado da tradução de manuais Árabes. Mesmo com a Matemática, a Física, a Química e a própria escrita européias, são resultados do contato europeu com estes povos.
Sobre a África costuma-se dizer que é um continente oral, sem entendermos o que representa esta oralidade como método de transmissão do conhecimento na África. A oralidade não é a ausência da escrita. A escrita faz parte das culturas africanas desde as civilizações egípcias. Pelo menos são quatro os Alfabetos desenvolvidos no conjunto das civilizações africanas, em áreas diversas do continente. Ademais, anterior a 1500 a África processou uma imensa utilização do Árabe como língua comercial e cultural, dado pela expansão do Islamismo em 2/3 do continente a partir dos anos 600, sendo comum a existência de documentos em Árabe para a história africana. As escritas em Árabe chegam ao Brasil, onde os escravizados participantes da revolta dos males, em 1831, escrevem panfletos e se comunicam em Árabe.
É necessário mais cuidado nas comparações entre a história africana e a européia. Faz-se necessário maior informação sobre uma e outra para escaparmos das idealizações e reduções impostas pelos processos de dominação racistas. Nesta informação a Europa aparece como fonte do saber e a África como fonte de ignorância.
Um exame da profusão de línguas e povos na Europa, tomando o período anterior a constituição dos grandes estados nacionais, verificamos que não é muito diferente da situação africana. Mesma na atualidade temos que dizer por exemplo que a língua francesa não é a única falada em todo território francês, território este que em quilômetros quadrado não é maior que os estados africanos. O mesmo se dá com a Espanha e a língua espanhola, o Britânicos e o Inglês, ou alemão e Alemanha. As idéias de uniformidade e coesão apresentadas no Brasil sobre os europeus não têm correspondido com a realidade. São idéias trabalhadas ideologicamente como sinônimos de organização e a organização como signo do processo.
Na cultura brasileira a África é sempre tratada como distante. A idéia de distante reflete outro estereotipo que é a idéia da falta de integração da África aos espaços econômicos mundiais. Significa que ficou isolada e atrasada até o dia que os europeus correram ao seu socorro. Na versão brasileira a África é ausente das integrações internas e externas ao continente. Este isolamento é tido como quebrado com a chegada do Português no Reino do Congo em 1484. Nos é dado a idéia que o português não conhecia a África anterior a esta data e que os africanos não conheciam a Europa.
A integração econômica milenar da África, interna e externa pode ser trabalhada pelas rotas comerciais das caravanas comerciais que cruzam todo continente e se estendem pela Europa e Ásia chegando a Índia e China. Um bom material de argumentação, são as gravuras de africanos nas cortes chinesas presenteando com produtos africanos e animais como a girafa. Estas gravuras datam de 1383.
Uma discussão mais profunda da integração africana à economia mundial pode ser tida pelas viagens de navegadores e africanos à América em períodos anteriores a Colombo. Viagens realizadas periodicamente e em períodos históricos amplos como são as trocas entre as civilizações da América Central e os Egípcios, ou entre Malianos e Caribenhos.
A chegada dos europeus através dos portugueses na África não é acompanhada de um raciocínio sobre a presença negra na Europa e da presença européia na África anterior à esta época. Pouco se tem conhecimento da existência das Cruzadas, negros combatendo ao lado de Cruzadas de brancos. São raros os que examinam as origens das imagens de santos negros nas igrejas católicas européias ou de imagens negras nas catedrais alemãs da Idade Média. Estas imagens atestam em profundo contato entre africanos e europeus no século 13. Ademais, as figuras negras aparecem com a mesma dignidade e importância das figuras brancas. A expansão incrível do Império Romano não é intermediada no imaginário brasileiro como a possibilidade de trocas existentes entre africanos e europeus anteriores a 1484, ou seja, no início da expansão comercial portuguesa.
A idéia de isolamento africano é fundamental na manipulação dos mitos sobre a raça e miscigenação racial ocorridas no Brasil. Fala-se dessas categorias partindo de uma idéia absurda de que africanos, europeus e asiáticos não haviam realizado imensa troca de experiências genéticas anterior a colonização brasileira. Como se não tivesse havido intensa miscigenação anterior a colonização do Brasil. Isto leva a pensar na fixação destrutiva e racista de raças puras e impuras. O método de isolamento africano é estrutural ao pensamento racista brasileiro. Ele faz questão de desconhecer a espécie humana como um híbrido resultante de processos milenares de troca de população. Daí elege o Brasil e unicamente o Brasil como país de existência de misturas de populações diversas.
Somos incapazes de saber que nenhum europeu, loiro ou não, pode reivindicar a ausência do gen. africano na sua história genética. Portanto, as misturas populacionais, as misturas étnicas são próprias da espécie humana e não ocorrem pela "grandeza de espírito do português pelo Brasil".
Caso o Brasil fosse um país sem nenhuma imigração africana de importância, não seria surpreendente que os currículos escolares dispensassem estes conteúdos. Mesmo assim, por razões da história da humanidade, ou mesmo da história econômica do capitalismo, seria indispensável um conhecimento da história africana. Surpreendente e impensável é um país que nos seus pelos menos últimos quatro séculos teve não somente a imigração africana maciça como também tem a maioria da sua população descendente de africanos, não ter história africana nos currículos escolares.
Pela cultura e pelas construções de identidades dos Afro-descendentes e em nome das pluralidades culturais são justificáveis a presença da história africana como fundamento do conhecimento da história nacional.
No entanto, devido o país ter sido colonizado por portugueses provenientes da Península Ibérica e, visto que o desenvolvimento diferenciado de Portugal e Espanha, com relação ao restante da Europa, no século 14 e 15, se deve em parte pela influência africana nesta região. Tenho de lembrar que Portugal e Espanha foram colônias dos Mouros por 700 anos. Que estes Mouros são fusão de Africanos Islamisados e Árabes. Temos que rever que os conhecimentos técnicos e científicos neste período são mais avançados na África e no Mundo Árabe do que na Europa, para compreendermos a mecânica dos processos de desenvolvimento de Portugal e Espanha com relação ao restante da Europa.
Os portugueses e espanhóis, também, após a expulsão dos Mouros da Península Ibérica, recebem ainda importantes contingentes de Imigração Africana. Importantes técnicos e artesãos nas cortes portuguesas durante um grande período são africanos. Temos, também, as rotas comerciais que fluem da África para a Europa passando por Portugal. Em suma, para um conhecimento aprofundado do colonizador português, é imprescindível uma base da historiografia africana. O próprio nome de Brasil não teria uma explicação tão pueril como a que é apresentado nas nossas escolas, relacionando erradamente com a madeira de cor vermelha abundante no passado na nossa faixa litorânea. O nome mais provavelmente vem da conexão Africano-Árabe e do conhecimento que estes povos tinham sobre a existência de terras americanas. Conhecimento obtido muito antes das viagens de Colombo e Cabral às Américas.
O argumento principal para o ensino da História Africana esta no fato da impossibilidade de uma boa compreensão da história brasileira sem o conhecimento das histórias dos atores africanos, indígenas e europeus. As relações trabalho-capital, realizadas no escravismo brasileiro são antes de mais nada, relações entre africanos e europeus. As tecnologias utilizadas nos ciclos econômicos brasileiros são de origem africana e, as formas de produção são altamente dependentes do tipo de mão da obra e dos estágios civilizatórias das nações africanas. A história política brasileira inicialmente é do escravismo e da alternativa política dos Quilombos, este último, produto das formas organizativas africanas reelaboradas para a realidade brasileira.
A partir de 1500, o entendimento da história econômica, política e cultural do Brasil, só é possível através do conhecimento da história e da cultura africana. Sem estes elementos se constrói uma história parcial, distorcida e promotora de racismos.
A razão única que justifica a exclusão da História Africana nos diversos currículos nacionais das diversas modalidades e níveis de ensino é o racismo.
A exclusão da História Africana é uma dentre as várias demonstrações do racismo brasileiro. Ela produz a eliminação simbólica do africano e da história nacional.
A História Africana apresenta uma possibilidade de divisão para estudo em 6 grandes regiões que guardam em comum além dos aspectos geográficos, aspectos históricos e culturais. São unidades com características semelhantes, embora também abrangendo diversidade interna da região quantos aos povos e culturas, mas, quando comparadas ao conjunto africano apresentam distinções nítidas.
A região de história mais antiga e mais conhecida é a das civilizações do Rio Nilo, onde se destacam o Sudão e o Egito, ambos com história política e econômica com mais de 5000 anos e constituindo impérios semelhantes. Um exemplo das semelhanças é a construção de pirâmides que Vão do Alto ao Baixo Nilo, em períodos diversos com diferentes magnitudes, representando uma forma cultural típica de região. Nesta região o Egito é bem mais conhecido, sendo que os Núbios, um dos povos do Sudão, tem apresentado surpresas esplendorosas aos arqueólogos nos últimos tempos. Destacam-se nesta região os Impérios de Kerma, Kushes, Napata e Meroes. Fixados em regiões próximas tem importância históricas os Reinos da Etiópia.
A costa Africana do Oceano Índico constitui uma região de grande influência comercial, de trocas intensas com os países árabes e com a Ásia. Esta região se notabiliza por um conjunto de pequenos Reinos e Cidades Estados que foram de grande esplendor arquitetônico e, devido a existência de uma língua comercial comum, o Suarile, podemos denominar de Região Suarile.
A terceira região importante no Continente Africano é constituída pelo Conjunto Zimbarbue e África do Sul. Embora diferente da região Suarile litorânea é uma zona de intenso contato com o litoral. Zimbabue, devido a importância e antigüidade das ruínas e da extensão da civilização aí construída no passado, constitui pôr si só uma região de importância na história africana. Na mesma região do Zimbabue entre 1400 e 1800 surge o Reino do Monomotapa. Na África do Suiapenas, reinos relativamente recentes têm destaques históricos, sobretudo pelo processo de resistência às invasões européias, como é o caso dos Zulus.
O quarto conjunto está ao Sul do Rio Congo, numa extensa região entre o Atlântico e os lagos Vitória e Tanganica. De influência cultural Bantu se desenvolveu entre os séculos 14 e 15 um conjunto de Reinos onde se destacam o Congo, Lunda e Luba.
As civilizações africanas de grande riqueza econômica e cultural formam um conjunto que geograficamente se estendem do Atlântico atravessando o sistema fluvial do Rio Níger e cobrindo os afluentes do lago Chade. Esta quinta região do Vale do Niger, assim como a do Vale do Nilo, constituem as regiões de maior importância histórica no continente devido aos longos períodos de continuidade histórica e a quantidade de conhecimentos que se tem sobre elas. Fazem parte da história da região as civilizações Nok, os Impérios de Gana, Malé e Songai.
A sexta região é de predominância de povos Berberes e se estende através do Deserto de Saara e bordas do Mediterrâneo. É, sobretudo, uma região marcada por invasões externas.
A ligação entre estas diversas regiões e sua integração econômica pode ser trabalhada e compreendida a partir das rotas de caravanas milenares ou da história da expansão da tecnologia do ferro no continente africano. Tanto as caravanas comerciais como as rotas de expansão da tecnologia do ferro cobrem todo o território africano, indicando não apenas a presença de populações em estágios civilizatórios importantes em todo continente, como também, a existência de uma intensa integração econômica e cultural entre estes povos.
Abaixo, apresento uma possível cronologia dos principais fatos da História Africana anterior a presença nociva e desastrosa do europeu naquele continente. Nesta cronologia, destaco o fato de que os Europeus, através dos portugueses gastaram mais de um século para dominar algumas regiões na África e que a colonização européia levou mais de 300 anos para se consolidar. Este período é marcado pela resistência, vitórias e derrotas dos diversos Estados Africanos, em diversas frentes de combate contra as diferentes invasões européias. Estas dinâmicas de longa duração precisam ser compreendidas para não parecer que o predomínio europeu acontece num ato mágico e repentino, como geralmente e superficialmente é apresentado.
Num livreto chamado Cotidiano que completei em 1992 e nenhuma das 27 editoras que enviei teve a publicação cogitada, tem uma frase que conclui fortemente este texto. "A África é do outro lado da rua e nos falta coragem para atravessá-la". A presença africana no cotidiano histórico e na cultura brasileira é imensa e nós temos limitações de compreendê-la devido as ausências de História Africana nas escolas, universidades e movimentos políticos. Mas a gravidade é maior, pois compõe parte da estrutura racista assimilada e introjetada pela população negra que ficou com medo da própria imagem não reivindicando o direito à nossa própria história.
No mesmo texto Cotidiano digo, "Meu bisavô na África foi arquiteto, meu avô construtor no Brasil colônia e hoje eu moro debaixo da ponte". A nossa pobreza foi conseqüência de uma dominação escravista e racista que nos empobreceu sistematicamente nos dois lados do Atlântico. Para uma excelente introdução à História Africana convém recomendar aqui o livro de Walter Rodney - Como o Europeu subdesenvolveu a África -, historiador nascido na Guyana. A nossa consciência histórica é a chave para nossa participação cidadã no país. Diariamente agradeço aos meus ancestrais, à meus pais e amigos de meus pais pela riqueza histórica que legaram e me transmitiram, isto me fez viver bem e em equilíbrio, não me deixando vencer pelo racismo. A tristeza é que outros negros não tiveram a oportunidade que eu tive, por isto vivem subjulgados e no desespero. Estas são as conclusões únicas que tenho sobre a urgência de introdução da história Africana no Brasil.
Henrique Cunha Júnior é professor da Universidade Federal do Ceará e colaborador do Historianet.