Findar um ano é sempre nostálgico, se formos pessimistas vamos contar as perdas e as tristezas, mas se tivermos otimismo e paz no coração vamos contar as bênçãos e as vitórias, e principalmente, a manutenção daquilo e das pessoas que fazem parte de nossos sonhos e ideais, e que ali estavam junto de nós, ao longo dos 365 dias.
Nós temos muito a agradecer por colaborações e pelo depósito de confiança em que pudemos colaborar com outras mulheres também. Receba nossa pesquisas desta edição, com os nossos votos de que sejam cada uma das mulheres brasileiras muito exitosas, em suas escolhas profissionais, principalmente, aquelas que objetivamente colaboram para que haja uma sociedade mais humanizada.
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"Eu era das primeiras a chegar na escola", conta a estudante e futura bacharel de direito Chames Salles Rolim, 97
No dia 8 de agosto, a família de Chames Salles Rolim, 97, se reuniu para comemorar o feito da matriarca: ela está se formando em direito. E a festança em Ipatinga, município mineiro que fica a 277 km de Belo Horizonte, vai ser animada: são nove filhos, 28 netos e 16 bisnetos, mais noras e genros.
"Você [diz a futura bacharel ao repórter] também está convidado para o jantar, na sexta-feira, um dia depois da formatura. Dia de São Domingos. A família inteira vai vir. Não sei o que faço, são muitos amigos. Não dá para convidar todo mundo. Mas eu quero que todos estejam aqui", conta Chames Rolim, que deixou a piscina de sua casa, onde faz exercícios matinais diariamente, para conversar com o UOL, na manhã desta sexta-feira (18). Ela diz que está muito feliz e "satisfeita com a vida".
Viúva desde 1997, ela só decidiu retomar os estudos em 2009, quando estava com 92 anos. Quando o marido era vivo, ele não a deixava estudar. Ela se casou aos 17 anos com o comerciante José Maria Rolim em Santana do Paraíso (MG), que fica cerca de 250 km de Belo Horizonte. Lá, eles trabalharam juntos na farmácia da família por 63 anos. Após a perda do marido, Chames foi morar com um dos netos, José Irnac Rolim em Ipatinga, quando tinha 80 anos.
Ela atribui um infarto que teve na época do vestibular à tensão das provas. "Foi terrível. Eu não conseguia aprender. Não guardava as coisas. Fiquei dez dias na UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) do hospital", afirma. Ela explica que, no período de convalescência, recebeu um grande "apoio e solidariedade" da família e dos amigos. E ela foi aprovada em direito na Fadipa (Faculdade de Direito de Ipatinga).
"Eu me dediquei muito nesses cinco anos. Eu era das primeiras a chegar na escola", conta.
Na última quarta-feira, 16, Chames Rolim foi ao fórum de Ipatinga para cumprir o último requisito para a conclusão do curso de direito: acompanhar a realização de audiências de julgamentos. "Não conhecia nada aqui. Nunca tinha vindo ao fórum. Mas estou assimilando o máximo que posso".
Ela diz que não vai tentar fazer a prova de habilitação na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) para exercer a profissão de advogada: "Sei que a minha idade não me dá muito prazo. Por isso, o que eu quero é ser útil a quem me procurar, compartilhar o conhecimento. Se não souber responder algo, vou orientar a pessoa a procurar quem saiba".
Quando se nasce mulher, com o peso do cromossoma "x", crescemos com a responsabilidade da feminilidade entranhada e do que é suposto uma "senhora" ser. Desde tenra idade. Isso traduz-se não só nos brinquedos que vamos recebendo durante a infância, onde os tachinhos, as panelas, o brincar às cozinhas, ou ter uma tábua de engomar é algo tão natural quanto querido. Uma espécie de "workshop" para o futuro que faz sorrir pais, avós e demais familiares, como se a ordem natural das coisas estivesse assegurada. Afinal, podemos ficar descansados que está tudo encaminhado. O mesmo acontece quando vestimos as roupas da mãe, andamos com os seus sapatos de salto alto pela casa, ou nos leem histórias em que o príncipe se apaixona pela princesa ao primeiro olhar, casam e vivem felizes para sempre. Até aqui tudo normal, mesmo que os parâmetros atuais do amor estejam completamente alterados. Crescemos sobre o ensinamento de que uma das nossas principais missões na vida é casar, ser mãe e ter filhos. E mesmo quando nos convencemos de que, afinal, não precisamos de nada disso, há sempre momentos em que recuamos à infância, à altura das panelas e do faz de conta e nos lembramos dos contos infantis... E se eu não tiver o meu final feliz?
Num editorial publicado na semana passada no Wall Street Journal por Ari Fleischer, o secretário de imprensa da administração de George W. Bush afirmava que a desigualdade no casamento deve ser um dos temas centrais de discussão, já que, estatísticas recentes, confirmam que os índices de pobreza são maiores em mulheres não casadas, com fracos rendimentos, em detrimento das casadas. De acordo com informações fornecidas pelo Instituto Beverly LaHaye, em 2012, apenas 7,5% das famílias chefiadas por dois pais casados, vivia em situação de pobreza, em oposição às famílias chefiadas por uma mãe solteira, onde o nível de pobreza aumentava para 33,9%.
Não será por isso de estranhar que, numa época em que a maior parte das nossas mães - fruto de uma educação e regime salazarista - não seguia os estudos e ficava em casa, dependente do rendimento providenciado pelo marido, o único que trabalhava, a ideia de casamento seja uma meta a atingir que continua a passar como mensagem principal, sinónimo de uma vida tranquila, entenda-se, sem tantas privações. Por muito disparatada que a ideia hoje nos possa parecer a verdade é que ela ainda se faz sentir - e em períodos de crise económica como a que a atravessamos - ainda mais. Não é à toa que o número de divórcios diminuiu o ano passado e não é porque as pessoas não se fartem umas das outras, ou porque o amor tudo vence, mas tão-somente porque muitas delas sabem que não irão conseguir sobreviver sozinhas e sem o rendimento do outro para ajudar as equilibrar as contas e orçamentos.
Não confundamos as coisas. Casar não é um fim para todas as mulheres em situação precária ou com baixos rendimentos, mas de uma maneira geral - e eu enquanto mulher me assumo - é a mensagem com que vamos convivendo ao longo da vida. Casar pressupõe estatuto e acaba por ser economicamente vantajoso - é sempre um casal que se apoia, dois rendimentos que se cruzam e um dividir de responsabilidades - acabando por ditar muitos dos comportamentos em sociedade. Acenar com a premissa de que é mais fácil a uma mulher com um fraco rendimento casar - assegurando uma vida mais estável e facilitada - pode ter um efeito significativo sobre a forma como a mesma vê o casamento. A situação altera-se quando falamos de mulheres instruídas ou com um rendimento estável. Não significa que as mesmas não tenham o desejo de se casar - que é válido e legítimo - mas podem dar-se ao "luxo" de escolher, selecionar e dispor de tempo para escolher o melhor parceiro, não se sentindo tão dependentes dele.
Beyonce Knowles, a mundialmente famosa cantora, casada com um dos mais poderosos e multimilionários empresários e rappers do mundo da música, Jay Z, escreveu sobre a desigualdade de género no Relatório de Shriver, sobre as mulheres e a pobreza, onde refere: "Porque sou mulher, é esperado que eu aspire ao casamento. É esperado que eu faça as minhas escolhas de vida tendo em mente que o casamento é o mais importante. O casamento pode ser uma fonte de alegria, amor e apoio mútuo. Mas porquê ensinar às meninas a aspirar ao casamento e não ensinar aos meninos a mesma coisa?"
Fica a pergunta no ar.
É historiador e cientista político. Sempre trabalhou com temas ligados aos direitos humanos e justiça social, no Brasil e no exterior. Ocupou posição de liderança em diferentes organizações da sociedade civil brasileira e internacional, como Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), Abong (Associação Brasileira de ONGs), ActionAid Internacional-USA e Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).
Atila Roque (Rio de Janeiro, 1959) já escutou várias vezes aquilo de “se você tivesse sofrido a violência na sua própria pele não defenderia tanto os direitos humanos de todo o mundo”. Ele, responsável hoje pelo escritório da Anistia Internacional no Brasil, responde em silêncio e lembra-se do seu pai, morto em uma tentativa de assalto e cujo responsável nunca foi punido. “Você não pode transformar o desejo de vingança e a dor em uma visão política, algo muito comum hoje em discussões como a pena de morte”, afirma.
Foi o assassinato do pai o que, de certa maneira, o levou até onde está hoje, à frente de uma organização internacional, com 20 pessoas na sua equipe e 3,5 milhões de reais de orçamento para denunciar as violações de direitos humanos cometidas em um país de 200 milhões de habitantes. “Essa morte me marcou profissionalmente. Naquela altura acabava de me formar em história e minha ideia era seguir a carreira acadêmica, mas ao ver meu pai morrer dessa forma abrupta eu não consegui sair do Rio. Ao ficar, eu tive que procurar uma alternativa para viver, mesmo porque foi um golpe financeiro na família. Foi aí que o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) me fez minha primeira proposta de emprego sério na sua campanha nacional pela reforma agrária”. E foi assim que materializou seu espírito ativista. “O Ibase foi muito importante para mim porque descobri um lugar profissional onde era possível participar da vida política e desenvolver ao mesmo tempo minha vocação acadêmica”.
Roque diz que descobriu o mundo “de uma maneira bastante particular” durante os três anos que morou em Tóquio quando tinha 26 anos. E descobriu muito cedo que a vida política sob siglas de partidos não era com ele. Desde então, nunca parou.
Pergunta. Quais paralelismos vê no ativismo da sua época e o que vemos hoje nas ruas brasileiras?
Resposta. O paralelismo entre mim e os jovens de agora é que somos gerações de grande transição. Eu comecei a descobrir o mundo do ativismo ainda no período da ditadura, mas mais no começo dos anos de abertura. Era um momento onde existia uma grande frustração pela incapacidade do Estado de nos representar. A juventude hoje vive uma transição de outra ordem. Está na busca de uma radicalização da democracia. Nós estamos enfrentando um país que, apesar de todos os avanços logrados na esfera política e social, permanece em um enorme déficit de justiça. Esse sentimento gera um incômodo muito interessante e acho que, em parte, se expressa nas manifestações de junho para cá, mas também de outras muitas formas. Eles têm uma vontade muito autêntica de ser parte de um processo de mudança do mundo. Há mais paixão que razão, inclusive.
Os jovens têm uma vontade muito autêntica de ser parte de um processo de mudança do mundo. Há mais paixão que razão, inclusive
P. Como a sociedade brasileira, Estado e instituições têm respondido a essa “paixão”?
R. Se revelou de uma maneira muito forte tudo aquilo que não foi superado do autoritarismo brasileiro. Vimos que as estruturas do Estado, a segurança e a Justiça, estão despreparadas e defasadas para responder aos desafios do que é Segurança Pública e Justiça no marco de um Estado democrático.
Os que trabalhamos neste âmbito já sabíamos que temos um aparato de segurança com um treinamento focado na guerra, na ideia da conquista de território, da supressão da dissidência e não na garantia de direitos. A novidade foi que isso se colocasse de forma tão escancarada, despudorada, na vida pública das cidades.
P. A Anistia Internacional condenou duramente a violência policial nas ruas e as prisões de manifestantes…
Temos um aparato de segurança com um treinamento focado na guerra, na ideia da conquista de território, da supressão da dissidência e não na garantia de direitos
R. Nossa preocupação foi sobre a forma como o Estado reagiu na linha da criminalização do protesto. Embora não seja uma novidade, porque o Brasil já tem uma história da década dos 90 de muita criminalização de movimentos sociais. Os primeiros a serem processados por formação de quadrilha foram os movimentos do campo na área rural, como o Movimento Sem Terra. Agora ganhou uma escala assustadora, porque o que esperávamos era que o Estado avançasse e não andasse pra trás. O que choca agora é o risco real de um retrocesso em como o Estado regula a ordem pública no Brasil. E isso está se revelando de forma mais clara no debate sobre a Segurança Pública.
P. Em que consiste esse debate, o que está em discussão?
R. Todas as áreas passaram por inúmeras reformas e revitalização nos últimos anos. O que nós temos agora em matéria de saúde, educação ou políticas sociais, comparado com a década dos 70, é muito diferente. Exceto a Segurança Pública. Isso é muito revelador do papel que a violência tem no Brasil na regulação da ordem. Desde a escravidão, a pesar do mito da sociedade pacífica e cordial, a sociedade brasileira está muito marcada pela violência, pelo racismo e a desigualdade.
A polícia, melhor dito o sistema de segurança pública, sempre foi instrumento de garantia dessa ordem. É a última fronteira a ser pensada. Por isso corremos o risco de um atraso conservador na área de segurança, porque existe uma queda de braço das reformas que deveríamos fazer nesse assunto. A reforma das polícias está na agenda, vai estar em breve no dia a dia das pessoas, e a sociedade vai ter que fazer escolhas. E isso vai ter um reflexo em como vamos a enxergar o sistema prisional, a política de drogas, a militarização da polícia ou o sistema criminal.
O que choca agora é o risco real de um retrocesso em como o Estado regula a ordem pública no Brasil. E isso está se revelando de forma mais clara no debate sobre a Segurança Pública.
P. Qual é o papel de organizações como Anistia Internacional em esses debates? Qual capacidade de interlocução tem?
R. O Governo sempre esteve muito aberto a nos receber, mesmo não estando de acordo com nosso discurso. Já estive com o ministro da Justiça, de Relações Exteriores, na Secretaria da presidência, de Direitos Humanos… No entanto, no âmbito da nossa campanha sobre os protestos, encontramos uma maior resistência no Governo Federal, mas também nos estaduais. Já mandamos ofícios para todos os governadores, além de documentação e protocolos de ação em manifestações pacificas e o nível de aceitação foi muito baixo.
P. Talvez eles acharam elevado o nível de violência nos protestos?
R. O fato de você ter manifestações de violência em um protesto, não justifica a violência policial. Você não pode usar a violência de uns poucos para reprimir. A polícia tem que ter protocolos muito claros sobre o uso de armas menos letais. Vimos um uso excessivo sem controle de balas de borracha, gás lacrimogêneo e gás pimenta, e uma atitude de criminalização do protesto como um todo. Esse é o dilema. Esse é o momento em que se vê o melhor e o pior do Estado. Nós vimos o pior.
P. Como a sociedade brasileira convive com a violação de direitos humanos?
R. Temos muito que fazer. Desnaturalizar a violência e romper o silencio é o maior desafio. Vivemos um excesso de complacência em relação à violação de direitos, e ai a responsabilidade não é só do Governo, senão dos atores privados, é da mídia, das pessoas que tem voz…
Nossos grandes desafios é a cultura da indiferença e o olhar seletivo que a sociedade tem sobre quem sofre violações de direitos humanos. Se for branco e rico vira um tema de conversação, agora se isso acontece na periferia ninguém se importa. A violência seletiva no Brasil está no nosso foco.
Nossa próxima campanha vai tratar sobre os homicídios, com os que se vão 56.000 vidas por ano. Uma grande parte das vítimas são jovens, e desses 70% são negros ou pardos. A sociedade não faz nada. Eu chamo isso de epidemia da indiferença. E isso revela muito como a desigualdade está ancorada em um profundo racismo.
P. Você diz uma vez que acreditava no poder do feminismo para que a sociedade avançasse e o autoritarismo ficasse ao descoberto. O que você queria dizer?
R. Essa frase vem de como eu entendo o poder e a desigualdade. No controle de bens econômicos, senão dos bens simbólicos. De um lado está o racismo, e de outro está o sexismo. Acredito que algumas lutas têm uma capacidade muito grande de desorganização do poder. A luta feminista tem uma qualidade muito radical, porque desafia aquilo que é naturalizado. Eu hoje reformularia a frase: O movimento LGBT tem um poder de perturbação da ordem até maior que o feminismo. Eles avançam uma fronteira ainda maior, questionam papeis predefinidos, questionam a identidade sexual, o que é homem e mulher. Desestabilizam o status quo. Eu gosto disso.
Após uma hora de conversa, Roque está atrasado e deve sair para a inauguração do Fórum de Segurança Pública que acontece em São Paulo. Peço para ele dar uma nota – ou uma palavra – ao Brasil em sua luta nos seguintes quesitos. Roque dá uma nota, uma palavra e um comentário antes de sair às pressas.
P. Impunidade.
R. Já estivemos muito pior, mas daria um 3. E a palavra seria seletiva.
P. Corrupção.
R. 6, bom 7. A palavra é transparência. É muito mais visível agora, o que não significa que sejamos mais corruptos.
P. Violência policial.
R.1.
P. Mas não estivemos pior?
R. Ok, daria um 2. Brasil é um país que nem sabe quanto sua policia mata. Se você perguntar hoje quantas pessoas são mortas por policias você não sabe porque não há registro. Só em estados como Rio e são Paulo há uma conta, isso já e um indicador muito grave. A polícia brasileira, certamente, está entre as que mais matam, e certamente também entre as que mais morrem.
P. Respeito às minorias.
R. Um 5. Acho que ainda tem muito racismo, muito preconceito, mas olhando em perspectiva estamos longe de realidades muito piores.
P. Racismo.
R. Um 4. Acredito que somos mais racistas que homofóbicos. A nossa escola de intolerância é o racismo. Uma vez que aprendemos a ser racistas é mais fácil ser homofóbico e intolerante. É a base. É a estrutura de todas as formas de discriminação.
P. Desigualdade.
R. A desigualdade é reveladora das estruturas de poder. Tem toda uma linha de pensamento muito tecnocrática que pensa que dando mais educação se luta contra a desigualdade, mas a desigualdade é o resultado de escolhas da sociedade sobre quem deve e não deve ter poder. Acho que estamos avançando, estamos com 6.
Veja a reportagem no site do jornal El País: “A juventude quer a radicalização da democracia no Brasil”