Edição nº 198 - de 15 de Abril de 2022 a 14 de Maio de 2022

Rádio Espaço Mulher


Tema: Violação de Privacidade

1. Mulher fotografada nua por vizinhos faz protesto com faixa na janela em SP

Priscilla Geremias

18 ago 2020 - 15h58 atualizado em 18 ago 2020 - 17h15

A professora Meire* vive com a sensação de que está sendo observada o tempo todo desde que teve sua privacidade invadida. Moradora do bairro Perdizes, zona oeste da capital paulista, ela foi fotografada nua por vizinhos de um prédio de luxo enquanto estava dentro de sua casa.

Em entrevista à Marie Claire, Meire conta que desde o início da pandemia do novo coronavírus, só sai de casa para o essencial e que é moradora do bairro há cinco anos. "Cheguei no apartamento que estou agora esse ano e nunca havia tido nenhum problema grave com nenhum vizinho em nenhum dos lugares que morei".

Foi quando na tarde do dia 3 de agosto que a professora foi chamada por uma funcionária do prédio em que mora. "Me disse que tinha um assunto chato pra tratar e mostrou as fotos", lembra. "Meu primeiro sentimento foi de constrangimento, por ter sido exposta. Em seguida senti medo, por saber que me observavam e que invadiram minha casa. E depois de processar tudo o que fui descobrindo com o passar das horas, senti muita raiva. Achei que o mais adequado seria dar uma resposta jurídica para a situação", conta Meire.

De acordo com o Código Penal, produzir fotos ou videos de conteúdo de caráter privado sem autorização é crime. Assim como, compartilhar imagens da intimidade de alguém feitas sem o conscentimento da pessoa.

As fotos de Meire estavam sendo compartilhadas em grupos e conversas no WhatsApp entre os funcionáios do prédio em que ela mora e do imóvel vizinho, onde cada apartamento está avaliado R$ 2,5 milhões.

As imagens tiradas à sua revelia, o que configura crime segundo o Código Penal, foram compartilhadas via WhatsApp e geraram um intenso burburinho entre funcionários dos prédios, que repassavam o conteúdo sem saber que também é crime

Apesar do medo, a professora passou então a buscar provas de quem foi o autor das imagens, contratou uma advogada criminalista e pediu abertura de inquérito de investigação criminal no 23º Distrito Policial, de São Paulo.

"Pelo que consegui apurar, quem fez as fotos foi uma funcionária de um dos apartamentos [vizinho], provavelmente encorajada por seus patrões. E apurei que as fotos foram passadas entre diversos funcionários e funcionárias do meu condomínio e do condomínio do qual as fotos partiram. Além disso, um funcionário desse condomínio veio reclamar com os responsáveis administrativos do meu prédio. Segundo ele, a mando de um morador do prédio de luxo que não queria se identificar. O funcionário dizia que esse morador anônimo queria que providências fossem tomadas contra as moradoras do meu prédio registradas nas fotos", conta.

Além de Meire, uma vizinha de janela também teve sua privacidade violada. "Junto com minha advogada, pedimos a instauração de um inquérito criminal para apurar o envolvimento das pessoas que fizeram e repassaram as fotos, bem como para responsabilizar a pessoa que difamou, moradoras do meu prédio (há um registro de áudio que comprova isso) e para responsabilizar o funcionário que veio assediar o meu prédio para pedir que providências fossem tomadas contra as vítimas, já que ele veio exigir algo que a lei não obriga. Além disso estou preparando também o processo cível, através do qual espero ser indenizada por todos os danos que me causaram", afirma a professora.

Protesto

Meire não só denunciou judicialmente os envolvidos no crime, como decidiu usar sua janela para protestar. Pendurou uma enorme faixa com trechos do Código Penal, contendo os quatro artigos pelos quais os vizinhos que produziram as imagens estão sendo investigados criminalmente.

"A ideia da faixa surgiu quando comecei a pensar em exibir algo pela janela, já que essas pessoas gostam de observar minha casa, minha intimidade. Achei que o informe dos quatro artigos do código penal seriam adequados, tanto para informar funcionários e moradores da rua e da região, quanto para dar uma resposta à invasão de privacidade que sofri. Se não estava claro para eles/elas que se trata de atos e condutas criminosas, espero que agora tenha ficado. Junto com artistas plásticos do meu círculo próximo, concebemos e preparamos a faixa, tudo com material simples e barato - lona preta, fita crepe, tinta-, completamente artesanal. Foi um processo importante também de produzir algo a partir de um pesadelo, algo informativo que fosse visível", conta a professora.

Na faixa estão escritos os artigos 216-B, 218-C, 139 e 146. Meire diz que tem vivido dias difíceis desde que soube das imagens: "Meus dias tem sido extremamente desgastantes desde que essas fotos chegaram a mim. Durmo pouco e mal, tenho dificuldade de me concentrar no que preciso, tenho a sensação de que a qualquer momento posso estar sendo observada. Mas aos poucos estou retomando minha rotina de trabalhar, limpar e cuidar da casa, falar com minha família e meus amigos. Eu tenho uma vida incrivelmente boa e privilegiada, embora não seja rica, nem proprietária de um apartamento de 200 metros quadrados, como é o caso do apartamento de onde as fotos partiram. Eu tenho muito acesso à informação, muitos amigos e familiares com quem posso contar e agora, uma advogada para me representar", conta.

A professora não pensa em sair do apartamento: "Não penso em me mudar do bairro nesse momento, isso não estava nos meus planos. Posso mudar, a hora que eu quiser. Mas estou muito ocupada com meus projetos profissionais para pensar em me mudar agora. Aqui é minha casa, eu não fiz nada de errado, não penso em sair."

*Nome fictício para proteger a identidade da vítima

(Fonte: https://revistamarieclaire.globo.com/Noticias/noticia/2020/08/mulher-fotografada-nua-por-vizinhos-faz-protesto-com-faixa-na-janela-em-sp.html, data de acesso: 12/04/2022)

2. Câmeras de segurança e a violação ao princípio da intimidade e da vida privada

21 de janeiro de 2014

Alcione Ferreira Gomes Alencar

Introdução

As câmeras de vigilância, também conhecidas como câmeras de segurança, atualmente, estão presentes em praticamente todos os locais, sejam públicos ou privados.

Nas grandes metrópoles, as câmeras de vigilância são tidas como instrumentos essenciais de segurança. Assim o é que, quando do acontecimento de algum crime, o primeiro questionamento que se faz é sobre a existência de tais câmeras.

Graças às câmeras de vigilância tornou-se possível flagrar verdadeiras atrocidades cometidas por babás contra bebês e contra idosos, por seus acompanhantes viabilizando assim, a consequente punição do agressor.

Mas, não é apenas na esfera criminal que as câmeras de segurança tem seu destaque. Na atualidade, os pais podem acompanhar o desenvolvimento de seus filhos na escola, em tempo real, através da internet. Pelo Google Earth, pode-se viajar para qualquer lugar da Terra e ver imagens de satélite, mapas, terrenos e construções em 3D.

Inobstante a gama de benefícios que estas câmeras propiciam, diante de tamanha exposição, vem à tona questionamentos acerca do respeito ao direito constitucional à intimidade e à vida privada.

É cediço que o direito à intimidade suscita inúmeras dificuldades, principalmente quando se pretende precisar a extensão do seu conteúdo, pois, dado o seu caráter subjetivo, varia de pessoa para pessoa, e ainda, considerando-se os valores sociais são mutáveis no tempo e no espaço.

No mesmo sentido, ressalta-se a difícil tarefa de equalizar interesses juridicamente protegidos, mas conflitantes em dada situação, tal como, a grande questão de se preservar a intimidade ou a segurança pública?

Diante desse cenário, dado o interesse em estudar o direito à intimidade e à vida privada, sob o ponto de vista do direito da personalidade, bem como em face das questões expostas, no presente trabalho far-se-á uma análise sobre os aspectos que envolvem o direito à intimidade e à vida privada em um momento em que vivemos um verdadeiro “reality show” a céu aberto.

2 Breve síntese da positivação do direito à intimidade e à vida privada

O direito à intimidade e à vida privada são partes integrantes do princípio da dignidade da pessoa humana, como uma garantia fundamental, consagrada no artigo 5º, X, CF, nos seguintes termos:

“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, `a liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Ocorre que nem sempre foi assim. A preservação da intimidade e da vida privada são princípios relativamente novos, sendo que a primeira manifestação efetiva do direito à intimidade deu-se nos Estados Unidos, em 15/12/1890, com a publicação de Warren e Brandeis, dois juristas norte-americanos que iniciaram a construção jurídica sobre o direito “de ser deixado só”, em artigo da Harvard Law Review, sob o título “The Right to Privacy“.[1]

A partir da publicação do artigo em comento, lançou-se um debate irreversível sobre a questão da necessidade de positivação de um direito fundamental à intimidade e à vida privada.

Assim é que, em 1905, na Alemanha, surge a primeira menção expressa em Doutrina a um direito à intimidade e à vida privada. Trata-se de um trabalho de Giesker, intitulado Das Recht des Privaten na der eigenem Geheimnissphare[2].

Numa dimensão mais ampla, o direito à intimidade e à vida privada surgiu em 02/05/1948 com a Declaração Americana dos Direitos do Homem, que previu em seu artigo 5º:

 “Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra ataques abusivos a sua honra, a sua reputação e a sua vida privada e familiar”.

Adiante, com aprovação da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) em 10/12/1972, vislumbrou-se a positivação em âmbito internacional do direito à intimidade e à vida privada, no artigo 12, que assim reza:

“Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito à proteção da lei”.

O direito fundamental à intimidade e à vida privada foi então, consolidando-se, passando a ser objeto de discussão em todo o mundo, seja em âmbito doutrinário, jurisprudencial, debates ou conferências, como ensina José Adercio Leite Sampaio, para quem sua menção “passa a aparecer em diversos outros documentos e ocupa a pauta de inúmeras conferências, seminários, encontros e estudos de âmbito supranacional”[3].

No Brasil, o primeiro instrumento legislativo a tutelar expressamente o direito à intimidade e à vida privada, foi a Lei de Imprensa (Lei n º. 5250/67), no seu artigo 49:

Aquele que no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar:

(…)

§ 1º Nos casos de calúnia e difamação, a prova da verdade, desde que admissível na forma dos arts. 20 e 21, excepcionada no prazo da contestação, excluirá a responsabilidade civil, salvo se o fato imputado, embora verdadeiro, diz respeito à vida privada do ofendido e a divulgação não foi motivada em razão de interesse público.

Mas foi com a Magna Carta de 1988 que o direito à intimidade e à vida privada foi consolidado como direito fundamental, inserto no capítulo “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”. A proteção foi consagrada ainda, na cláusula geral do artigo 21 do Código Civil brasileiro:

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

3 Conceituação e diferenciação entre intimidade e vida privada

As palavras Intimidade e Privado são encontrados como sinônimos no Dicionário[4]: “Intimidade: s.f. Caráter do que é íntimo, secreto. / Amizade íntima, relações íntimas: viver na intimidade de alguém. // Na intimidade, entre íntimos; no recesso do seu lar; Privado: adj. Particular, que não é função pública: empresa privada. / Que é reservado para certas pessoas: sessão privada. / Que diz respeito particularmente ao indivíduo, à sua intimidade familiar: vida privada. / (…).”

Em que pese o fato dos termos acima referidos serem tidos como sinônimos no Dicionário, grande parte da doutrina entende existir distinção entre intimidade e vida privada. Neste sentido, o autor Manoel Gonçalves Ferreira Filho ressalta que:

 “(…) os conceitos constitucionais de intimidade e vida privada apresentam grande interligação, podendo porém ser diferenciados por meio da menor amplitude do primeiro que se encontra no âmbito de incidência do segundo. Assim, o conceito de intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa humana, suas relações familiares e de amizade, enquanto o conceito de vida privada envolve todos os relacionamentos da pessoa, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo, etc.”[5]

Nessa senda, constata-se que a diferença reside no fato da intimidade pertencer a um círculo mais restrito do que o direito à vida privada. Acerca desta questão, discorre Tércio Sampaio Ferraz:

 “A intimidade é o âmbito do exclusivo que alguém reserva para si, sem nenhuma repercussão social, nem mesmo ao alcance da sua vida privada que, por mais isolada que seja, é sempre um viver entre os outros (na família, no trabalho, no lazer comum). Não há um conceito absoluto de intimidade, embora se possa dizer que o seu atributo básico é o estar só, não exclui o segredo e a autonomia. Nestes termos, é possível identificá-la: o diário íntimo, o segredo sob juramento, as próprias convicções, as situações indevassáveis de pudor pessoal, o segredo íntimo cuja mínima publicidade constrange.”[6]

O direito à intimidade e à vida privada apresenta-se, assim, como o direito de que as pessoas gozam de defender suas vidas de qualquer invasão por terceiros, desde a esfera mais exclusiva (intimidade), ao âmbito de fatos e acontecimentos compartilhados com pessoas íntimas (vida privada).

Para o Professor José Afonso da Silva, a intimidade integra a esfera íntima da pessoa, os seus pensamentos, desejos e convicções, enquanto a vida privada significa o direito do indivíduo de ser e viver a própria vida, relacionando-se com quem bem entender. Relata que a Carta Magna, ao proteger a vida privada, refere-se à vida interior, “como conjunto do modo de ser e viver, como direito de o indivíduo viver a própria vida” e não à vida exterior, que envolve a pessoa nas relações sociais e nas atividades públicas.[7]

Conclui-se, pois, que vida privada distingue-se da vida íntima, ou seja, aquilo que a pessoa pensa, sente e deseja refere-se à sua intimidade; já os seus hábitos, modo de viver, de se comportar, sua opção sexual, seus amigos, seus relacionamentos profissionais e, igualmente, aquilo que o sujeito possui, têm pertinência com a sua vida privada.

4 O direito à intimidade e à vida privada e as câmeras de segurança

O monitoramento com câmeras de vídeo tem se tornado uma prática cada vez mais comum em ambientes públicos, corporativos e residenciais, sempre com foco na segurança. A vigilância com câmeras de vídeo é um dos meios mais eficientes para prevenção e controle da segurança patrimonial e pessoal, posto que possibilita ver e gravar imagens de locais vulneráveis ou de risco.

Jorge Lordello[8], Especialista em Segurança Pública e Privada, afirma com bastante propriedade, que investir em segurança, atualmente, não é nenhum tipo de luxo, mas uma necessidade. Para ele, as câmeras de segurança apresentam diversos benefícios, dentre eles:

  1. Fator psicológico de dissuasão, pois o marginal sabe que está sendo vigiado e suas imagens armazenadas;
  2. Inibe a ação de invasores, depredadores, pichadores e pessoas mal-intencionadas;
  3. Facilita o trabalho de pronta resposta (polícia e vigilância particular) fornecendo pormenores do crime que está ocorrendo;
  4. Integração com sistemas de alarmes;
  5. Acesso às imagens pela Internet.

De fato, os benefícios são evidentes, principalmente, quando à divulgação das imagens que então, auxiliam na captura de um criminoso, a exemplo do que aconteceu, recentemente, no Estado do Rio de Janeiro, no caso em que um criminoso, após render os passageiros de um micro ônibus, as conhecidas “Vans”, violentou sexualmente uma das passageiras.

A câmera de segurança instalada na Van filmou com precisão e perfeição a face do criminoso, cuja imagem foi divulgada em rede nacional, culminando em uma denúncia anônima e a efetiva localização e prisão do meliante. Sem dúvida, um ponto positivo em favor das câmeras de segurança e divulgação das imagens.

Por outro lado, o que dizer de casos nos quais imagens capturadas por essas câmeras de segurança são divulgadas nos meios de comunicação, sem qualquer autorização das pessoas filmadas, seguidas por uma notícia deturpada, colocando as pessoas em situação constrangedora?

A título de exemplo, um caso real vivenciado pela autora deste. Em agosto de 1999, cursando o segundo ano da faculdade de Direito, tendo aceito o convite dos colegas da mesma turma, fomos a uma churrascaria participar do famoso “pendura”[9]. Comemos, divertimo-nos e na hora de pagar a conta, a leitura de uma cartinha, informando que a conta não seria paga, pois seria “pendurada”.

O dono do restaurante, nada satisfeito com tal situação, trancou as portas e chamou a polícia. Vários camburões chegaram e ficaram de prontidão. Os policiais armados com metralhadoras e usando máscaras de lã mostrando apenas os olhos (a churrascaria era toda de vidro) amedrontavam os estudantes. Um total desespero! Com muito medo, sem concordar com tudo aquilo, não consegui levar adiante a brincadeira dos meus colegas e em prantos, paguei a minha conta e saí da churrascaria.

No dia seguinte, no telejornal da Rede Bandeirantes, sob a apresentação do Sr. José Luiz Datena, lá estava a minha imagem e o ilustríssimo apresentador dizendo algo como: “esses filhinhos de papai que não trabalham, não fazem nada, querendo sair sem pagar a conta! Se um pai de família faz uma coisa dessas vai preso, mas esses “playboyzinhos” que não sabem o que é passar fome, ficam com essa palhaçada e ainda tem a cara de pau de sair sem pagar(…)”. Eu não era uma “filhinha de papai”, sempre trabalhei para pagar a minha faculdade e não estava saindo do restaurante sem pagar a conta!

Os comentários totalmente deturpados do apresentador, que não relatavam a realidade, juntamente com a minha imagem no plano de fundo do noticiário, deixaram-me em situação extremamente constrangedora, principalmente, perante meus familiares que se indignaram com a minha suposta postura: sair do restaurante sem pagar a conta!

Nesse caso, sequer refiro-me ao meu direito em ter preservada a minha imagem, direito de personalidade, consagrado na Magna Carta de 1998, nos incisos X e XVIII, mas ao meu direito à privacidade, em poder ir a um restaurante com meus amigos, sem que no dia seguinte, o país inteiro soubesse onde eu estava, com quem eu estava e o que eu estava fazendo!

Fato é que com a proliferação das câmeras de vigilância o que tem se tornado “artigo de luxo” é a nossa privacidade. A realidade é que as lentes indiscretas não apontam só para criminosos e celebridades que chamam para si os holofotes. Estão em toda parte. Em elevadores, portarias de prédios, bancos, ruas, supermercados, tal como se vivêssemos num imenso reality show, no qual a intimidade dos cidadãos fica 24 horas acessível a milhões de pessoas.

Ainda assim, as pessoas parecem dispostas a perder sua privacidade em nome da segurança. Casos como o que ocorreu em Sobral, no Ceará, onde um juiz matou com um tiro na nuca o segurança de um supermercado, incentivam a sociedade a aprovar essa invasão. Se não fosse a câmera que registrou toda a cena, seria a palavra de um caixa de supermercado contra a de um juiz.[10]

5 Conclusão

O direito à intimidade e à vida privada é considerado no Direito Civil brasileiro como direitos da personalidade e, segundo a nossa Constituição Federal de 1988, art. 5º, inciso X, um direito fundamental e inviolável.

A intimidade e a vida privada são direitos que se interpenetram, guardando entre si grande vinculação. Contudo, mesmo que usualmente os conceitos de ambos confundam-se, eles são distintos, guardando aspectos em que é possível uma diferenciação, destacando-se o fato de que a intimidade pertenceria a um círculo mais restrito do que o direito à vida privada.

Marcelo Cardoso Pereira[11] esclarece que o direito à intimidade inclui a esfera de proteção ao que há de mais íntimo na pessoa, ou seja, os desejos, pensamentos, ideias e emoções. Aquilo que pertence a um “território” exclusivo, em que a não publicidade é essencial para o desenvolvimento pleno de tais faculdades. No que se refere “à vida privada seria, em uma primeira aproximação, tudo o que não pertença ao âmbito da intimidade, mas que, por sua vez, não transparece à esfera pública”.

O fato é que nossos erros, nossas imperfeições e até mesmo nossas virtudes não devem estar obrigatoriamente expostas ao domínio público, pois, interesses variados podem forçar-nos a ocultar determinados fatos do conhecimento de outras pessoas. Por sua vez, o desenvolvimento tecnológico, as câmeras de segurança, estão propiciando uma verdadeira espionagem à privacidade da pessoa.

Contudo, de forma geral, ciente de todas as questões envolvidas, principalmente no que tange à invasão de sua privacidade, a população tem se mostrado favorável à instalação de câmeras de vigilância, pois entendem que elas ajudam a combater a violência, guardando assim, um bem tão caro neste Século, qual seja, a segurança.

Ao que tudo indica, em um futuro não muito distante, a famosa plaquinha “SORRIA, VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADO”, deixará de existir, pois a vigilância será tão comum que, estranho mesmo, será passarmos ou estarmos em algum local em que não existam câmeras de segurança.

(Fonte: https://www.editorajc.com.br/cameras-seguranca-violacao-principio-intimidade-vida-privada/, data de acesso: 12//04/2022)

3. Violação virtual de domicílio constitui crime

Por Francisco Sannini Neto

No artigo 150, do Código Penal, está tipificado o crime de Violação de Domicílio, onde se pune a conduta de “entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências”.

Note-se que o tipo penal em questão tem o objetivo de tutelar o direito fundamental previsto no artigo 5º, XI, da Constituição da República, que estabelece ser a casa um “asilo inviolável do indivíduo”, preservando-se, assim, sua intimidade e vida privada.

Nas lições de HUNGRIA, “na indébita ou arbitrária incursão no domicílio alheio, é lesado o interesse da tranquilidade e segurança de vida íntima ou privada do indivíduo, ou seja, das condições indeclináveis à livre expansão da personalidade humana”.

Ao discorrer sobre o crime de violação de domicílio, Rogério Greco ensina o seguinte:

Entrar, aqui, no sentido empregado pelo texto, significa invadir, ultrapassar os limites da casa ou dependências. Pressupõe um comportamento positivo. Permanecer, ao contrário, deve ser entendido no sentido de não querer sair. Só permanece, portanto, quem já estava dentro licitamente, visualizando, assim, um comportamento negativo.

Ainda de acordo com o tipo penal, para que o crime se caracterize é necessário que o agente entre ou permaneça no domicílio alheio de forma clandestina, astuciosa, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito.

Feitas essas colocações, questionamos: seria possível se falar em uma violação virtual de domicílio? Imagine a situação de um casal que aluga um apartamento e durante a estadia percebe que no quarto onde dividiam suas intimidades havia sido instalada uma câmera escondida pelo proprietário do imóvel.

Foi o que ocorreu recentemente na cidade de São Vicente, litoral de São Paulo, sendo que os fatos foram devidamente registrados na Delegacia de Polícia local, com apreensão da câmera e instauração de inquérito policial.

Mas qual crime teria praticado o proprietário do imóvel? O voyeurismo, nessa circunstância, constitui algum ilícito penal? É inegável que a conduta em questão caracteriza uma manifesta violação à intimidade do casal, passível de indenização na esfera cível.

Na seara criminal, todavia, o caso não é tão simples, uma vez que não existe tipo penal específico para essa conduta. Nesse sentido, parece-nos imprescindível que o legislador se atente para a evolução tecnológica e tipifique de maneira clara condutas semelhantes, como ocorreu no artigo 154-A, que trata da invasão de dispositivo informático e que teve como vítima mais famosa a atriz Carolina Dieckmann.

Não obstante a ausência de tipo penal específico, entendemos que a conduta em questão não é atípica, caracterizando, data máxima vênia, o crime do artigo 150, do Código Penal.

Primeiramente, deve-se consignar que o conceito legal de casa está previsto no artigo 150, § 4º, do CP, abarcando qualquer compartimento habitado, aposento ocupado de habitação coletiva ou compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.

Nas lições de BITENCOURT, a expressão qualquer compartimento habitado “tem abrangência suficiente para evitar qualquer dúvida relativamente a moradias eventuais ou transitórias”, incluindo-se, destarte, quartos de hotéis ou, o que é ainda mais evidente, imóveis objeto de locação, como no caso em tela.

Superada essa questão, agora precisamos nos debruçar no estudo das condutas punidas pelo artigo 150, do CP. Com efeito, parece-nos que ao instalar clandestinamente uma câmera no quarto do imóvel o locador viola domicílio alheio de forma remota ou virtual. Isto, pois, sua conduta denota a intenção de permanecer no local, ou seja, de não sair quando deveria.

Entendemos não se tratar de analogia em prejuízo do réu, mas de interpretação extensiva do tipo, afinal, no momento de redigir o texto legal o legislador não vislumbrou as evoluções tecnológicas. Ora, o tipo penal faz menção às condutas de entrar e permanecer, o que pode ser feito de modo físico ou virtualmente.

É o caso de um drone que trafega tranquilamente pelas dependências de uma residência, registrando todas as imagens que podem ser vistas em tempo real pelo seu usuário, abalando, consequentemente, a tranquilidade doméstica.

Sob o ponto de vista do bem jurídico tutelado, não vislumbramos qualquer diferença entre as condutas. A intimidade da vítima está sendo violada da mesma maneira. Ao instalar uma câmera escondida no imóvel, o agente atua com dolo de nele permanecer, como se ele mesmo estivesse escondido atrás de um fundo falso.

Trata-se, nesse contexto, de crime praticado por meio de omissão, haja vista que o agente permanecer no local (ainda que virtualmente) quando deveria sair.

Sobre o tema, vale conferir o posicionamento da doutrina em relação a causa de aumento de pena do feminicídio cometido “na presença de descendente ou de ascendente da vítima” (art. 121, § 7º, inciso III). Conforme ensinamento de GRECO:

Para que possa ser aplicada a majorante do inciso III do § 7º do art. 121 do Código Penal é preciso que o feminicídio tenha sido praticado na presença de algum descendente ou de ascendente da vítima, ou seja, qualquer um dos parentes mencionados deve presenciar (...). Isso pode acontecer tanto com uma presença física, isto é, o descendente ou ascendente da vítima podem estar no mesmo local onde o delito de morte é cometido, ou também podem presenciá-lo virtualmente, através de um computador que captava as imagens na cena do crime.

Com efeito, se a referida majorante do feminicídio se aplica quando o crime é cometido na presença virtual de ascendente ou descendente, parece-nos que o mesmo raciocínio deve ser adotado na hipótese de violação virtual de domicílio, sem que se cogite qualquer analogia em prejuízo do agente.

Por tudo isso, consideramos que o caso em destaque encontra adequação típica perfeita no artigo 150, do Código Penal, que constitui delito de menor potencial ofensivo, sujeito as medidas despenalizadoras da Lei 9.099/95.

(Fonte: https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/581868792/violacao-virtual-de-domicilio-constitui-crime, data de acesso: 12/04/2022)

4. Aprovado projeto que aumenta pena para crimes contra a honra de mulheres

Da Agência Senado | 08/03/2022, 18h44

O Senado aprovou, nesta terça-feira (8), projeto que aumenta em um terço as penas de crimes contra a honra (calúnia, injúria e difamação) cometidos contra mulheres, “por razões da condição de sexo feminino”. O PL 3.048/2021 é de autoria da senadora Leila Barros (Cidadania-DF) e foi relatado pela senadora Zenaide Maia (Pros-RN). A matéria segue para votação na Câmara dos Deputados.

— Entendemos que o presente projeto de lei é extremamente pertinente, uma vez que reconhece que as mulheres sofrem violação à sua honra motivada pelo fato de serem do sexo feminino e que, em razão disso, há a necessidade de tipificação específica para essa forma de violência — avaliou Zenaide.

Leila disse que o objetivo do projeto é combater a violência contra a mulher na fase inicial desses eventos.

— Nós sabemos muito bem que muitas vezes a mulher é vítima de relacionamentos tóxicos e, nesse sentido, antes que essa essa fase inicial se torne uma agressão física e evoluam até para o feminicídio, o nosso intuito é justamente fazer uma punição mais severa nos casos de violência moral, psicológica, no crime contra a honra, no caso humilhação, manipulação, chantagem — afirmou Leila.

Para Zenaide, a mudança vai desestimular a prática desses crimes pela condição do sexo feminino.

— O PL 3.048, de 2021, também contribui para colocar em relevância e discussão essa forma de violência praticada contra a mulher, que é a violência moral. Não é necessária muita pesquisa para concluir que, em matéria de gênero, a violência moral contra a mulher é muito mais significativa do que aquela praticada contra homens, o que ocorre em virtude de uma cultura histórica que sempre inferiorizou a mulher — disse Zenaide.

A proposta modifica o Código Penal, onde está prevista a pena de detenção de seis meses a dois anos, e multa, para o crime de calúnia, ou seja, “caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime”. Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, “a propala ou divulga”. É punível, também, a calúnia contra pessoas já falecidas.

A difamação, de acordo com o Código Penal, gera uma penalidade de detenção de três meses a um ano, e multa. O crime de difamação é definido como “difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação”. Já o crime de injúria tem pena de detenção de um a seis meses, ou multa, para quem “injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro”.

Ainda de acordo com a legislação atual, todos esses três tipos de crimes podem ter suas penas aumentadas em um terço se forem cometidos, por exemplo, contra o presidente da República ou contra os presidentes do Senado, da Câmara ou do Supremo Tribunal Federal; contra chefe de governo estrangeiro; contra funcionário público, em razão de suas funções; ou contra pessoa maior de 60 anos ou portadora de deficiência.

O projeto da senadora Leila Barros acrescenta a essas possibilidades de aumento de pena o fato de o crime de honra ter sido cometido “contra a mulher, por razões da condição de sexo feminino”, ou seja, quando o crime envolve “menosprezo ou discriminação à condição de mulher”, nos termos do próprio Código Penal.

Na justificativa, a autora destaca que é fundamental combater o preconceito e a violência contra a mulher na fase inicial, antes que se torne física. Segundo a senadora, a postura agressiva e preconceituosa não se restringe aos relacionamentos domésticos ou com pessoas próximas, contemplados na Lei Maria da Penha.

"A Lei penal ainda se ressente de outros dispositivos que permitam uma mais efetiva agravação da pena por crimes cometidos nessas condições, notadamente, os observados nas redes sociais”, afirma.

Leila ressalta ainda que o preconceito contra as mulheres norteia grande parte dos crimes violentos no Brasil.

"É o machismo e a discriminação que estão no âmago da conduta criminosa; que justifica e dá vazão a toda sorte de impulso violento, fazendo com que o Brasil seja um dos países no mundo que mais se mata mulheres e minorias”, acrescenta.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

Fonte: Agência Senado

(Fonte: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/03/08/aprovado-projeto-que-aumenta-pena-para-crimes-contra-a-honra-de-mulheres, data de acesso: 12/04/2022)


OBS.: Respeitamos a Liberdade de Expressão de todas as pessoas. As opiniões aqui expressas NÃO refletem as da RÁDIO ESPAÇO MULHER, sendo estas de total responsabilidade das pessoas aqui entrevistadas.