Autora: Amanda Espíndola Barbosa
Publicado por Eduardo Luiz Santos Cabette
Há 9 anos
Resumo
Este trabalho tem como objetivo mostrar o surgimento e os reflexos de uma legislação em vigor no sistema brasileiro, cuja aplicabilidade é cada vez maior. Trata-se da Lei nº 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, pois todos os dias tomamos conhecimento ou até mesmo vemos a violência contra a mulher no âmbito doméstico. Os aspectos analisados virão desde o surgimento da lei, explicando quais as formas de violência abrangidas até as medidas protetivas adotadas no caso do descumprimento por parte do agressor.
Palavras chave: Lei Maria da Penha. Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. Medidas Aplicadas.
Introdução
Todos os dias tomamos conhecimento, por meio dos diversos veículos de comunicação, de histórias graves em que mulheres são vítimas das mais diversas espécies de violência.
Trata-se de um problema de longa existência, que possivelmente surgiu juntamente com a própria unidade familiar, tornando-se generalizado, não distinguindo pessoas, pois pobres e ricos, negros e brancos, cultos e incultossão vítimas dela. Além disso, a violência é um problema de todos, não somente de um ordenamento jurídico, pois leis garantem direitos e obrigações a seus cidadãos, estabelecem limites e punem o crime, mas, infelizmente, não têm o poder e alcance de educar a sociedade para que tais atos não voltem a ocorrer.
O objetivo desta pesquisa é demonstrar o papel que vem sendo cumprido pela legislação após o advento da Constituição Federal de 1988, que deu ênfase à dignidade da pessoa humana, bem como o valor relevante da Lei Federal nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha), criada com o fim de erradicar a violência doméstica e familiar.
O tema tratado analisará a violência doméstica levando-se em conta seu surgimento, as consequências que dela advêm no âmbito familiar e social e exibindo como a lei e a sociedade civil vêm tentando cumprir seus papéis, com o escopo de erradicar esse mal.
1. Conceituando Violência de Forma Ampla
1.1 Violência no Contexto Geral
Entende Silva (1998, p. 868) que o vocábulo violência vem do latim violentia, de violentus (com ímpeto, furioso, à força), logo o ato de força, a impetuosidade, o acometimento, a brutalidade, são, portanto, atos violentos. Em regra a violência resulta da ação ou da força irresistível, em sua prática normalmente existe a intenção de se atingir um objetivo, que não se obteria sem ela.
Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), a violência pode ser classificada em três modalidades:
1.2 Gênero
Ao estudarmos os termos sexo e gênero vamos verificar no Manual do Ministério da Saúde (2002, p. 14) que é muito comum confundi-los. Porém, há certa distinção entre eles: ao se falar de sexo trata-se dos aspectos físicos e biológicos entre macho e fêmea presentes em todas as espécies; já ao se falar de gênero trata-se unicamente da espécie humana, visto que engloba aspectos sociais, culturais, relacionais, políticos e econômicos que podem influenciar no comportamento conforme o sexo.
1.3 Das Diferentes formas de Violência
Grande parte da violência sofrida pelo homem ocorre no espaço público, já a mulher, na maioria das vezes, é vítima de violência em seu próprio lar, onde normalmente o agressor é o marido ou o companheiro.
O termo “violência doméstica” é usado para descrever as ações e omissões que ocorrem em variadas relações. Engloba todas as formas, em especial aquelas que violem a integridade física e sexual das vítimas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002, p. 15).
Violência física é aquela na qual uma pessoa, que está em relação de poder superior à outra, causa ou tenta causar dano não acidental, por meio do uso de força física ou de algum tipo de arma que pode provocar ou não lesões externas, internas ou ambas, levando-se em conta que castigos repetidos, não severos, também são considerados violência física.
Já a violência sexual é toda ação onde uma pessoa em relação de poder e por meio de força física, coerção ou intimidação psicológica, obriga a outra ao ato sexual contra a sua vontade, ou que a exponha em interações sexuais que propiciem sua vitimização, da qual o agressor tenta obter gratificação (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002, p. 17-18).
Violência psicológica é toda ação ou omissão que cause ou vise causar dano à autoestima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa.
Violência patrimonial são todos os atos destrutivos ou omissões do (a) agressor (a) que afetam a saúde emocional e a sobrevivência de membros da família.
Violência institucional é aquela exercida nos próprios serviços públicos, por ação ou omissão. Pode incluir desde a dimensão mais ampla da falta de acesso à má qualidade de serviços. Abrange abusos cometidos em virtude das relações de poder entre usuários e profissionais dentro das instituições, até por uma noção mais restrita de dano físico intencional (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002, p. 21).
Com relação às vítimas temos também que considerar que, muitas vezes, em razão de inibições de toda sorte por parte do agressor, elas deixam de levar ao conhecimento de parentes e das autoridades os fatos por temor, vergonha ou outros motivos íntimos. Em outras vezes ocorre o desconhecimento de seus próprios direitos, principalmente pela forma banalizada como vem sendo tratada a violência doméstica e familiar, levando as próprias vítimas a descrer no sistema estatal de apuração.
1.4 A Violência contra a Mulher no brasil e a Tese de Legítima Defesa da Honra
Um marco histórico do movimento das mulheres no Brasil foi a legítima defesa da honra, pois foi a postura social que muito contribuiu para por fim à impunidade de muitos homens que, usando deste argumento, sem piedade, matavam suas esposas, companheiras e namoradas e afirmavam que assim estavam agindo pois era para defender a sua honra e que a morte foi por amor. A mulher, com isso, tinha sua imagem denegrida e o acusado mantinha-se impune (OAB SP, 2009, p. 21).
2. A Proteção à Mulher nos Diplomas Internacionais
A ONU (Organização das Nações Unidas), por intermédio das Convenções como a de Genébra, busca fomentar entre os Estados uma política de tolerância zero nas práticas de agressões, visando, que os países simpatizantes, além de criarem leis mais severas e convergentes aos direitos das mulheres, busquem, na verdade, soluções práticas para problema, como medidas urgentes de reeducação e conscientização.
Piovesan (2012, p. 272) registra que a ONU estabelece como dever dos Estados não invocarem qualquer costume, tradição ou consideração religiosa para afastar suas obrigações concernentes à eliminação da violência contra a mulher.
Pela versão apresentada por Piovesan, concordamos que a violação aos direitos humanos é tema de interesse internacional e que sua desconsideração é um problema de relevância internacional. Por isso foi criada a Lei Maria da Penha. Entendemos ser necessária a implementação dos mais variados mecanismos visando-se coibir a violência doméstica contra a mulher, seja através da conscientização da igualdade de gênero nas escolas, nas residências e grupos religiosos para que a mulher, dotada de direitos humanos já garantidos ao nascer, possa deles usufruir e assim poder viver uma vida digna, sem qualquer preconceito.
2.1 Sistema Especial de Proteção dos Direitos da Mulher
Este sistema é composto por documentos internacionais destinados à proteção de novos direitos surgidos ou à proteção de determinados grupos de pessoas tidas como vulneráveis, sendo eles: A Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Contra a Mulher; a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, a chamada “Convenção de Belém do Pará”; a Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial da Mulher “Beijing”, que constituem alguns dos mais relevantes instrumentos voltados à proteção dos direitos humanos da mulher na ordem jurídica internacional (DIAS, 2007, p. 28).
A Primeira Conferência Mundial sobre a Mulher foi realizada no México, em 1975 e teve como resultado a elaboração da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, que foi aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas através da Resolução nº 34/180, em 1979. O Brasil assinou-a em 1981 e ratificou-a em 1984, porém com reservas na parte relativa à família; somente em 1994, tendo em vista o reconhecimento pela Constituição Federal Brasileira de 1988 da igualdade entre homens e mulheres na vida pública e privada, em particular na relação conjugal, é que o Brasil retirou as reservas, ratificando plenamente toda a Convenção (DIAS, 2007, p. 28).
A Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres foi elaborada com duplo fundamento: eliminar a discriminação e assegurar a igualdade. Trata do princípio da igualdade como obrigação vinculante, isto é, como objetivo.
Em seu artigo 1º, citada Convenção enfatiza que a discriminação contra a mulher é:
“toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo, exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo” (PIOVESAN, 2012, p. 269).
Em suma, a Convenção reflete a visão de que as mulheres são titulares de todos os direitos e oportunidades que os homens podem exercer; adicionalmente, habilidades e necessidades que decorrem de diferenças biológicas entre os gêneros devem também ser reconhecidas e ajustadas, mas sem eliminar da titularidade das mulheres a igualdade de direitos e oportunidades (PIOVESAN, 2012, p. 270).
Em 1994, a OEA (Organização dos Estados Americanos) ampliou a proteção aos direitos humanos das mulheres com a edição da Convenção para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, a “Convenção de Belém do Pará” (DIAS, 2007, p. 28).
A partir desta convenção surgiram valiosas estratégias para a proteção internacional dos direitos humanos das mulheres, merecendo destaque o mecanismo das petições à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o primeiro tratado internacional de proteção dos direitos humanos a reconhecer a violência contra a mulher como um fenômeno generalizado, que alcança, sem distinção de raça, classe, religião, idade ou qualquer outra condição, um elevado número de mulheres em todo o mundo.
Esta Convenção declara que a violência contra a mulher constitui grave violação aos direitos humanos fundamentais e ofensa à dignidade humana, sendo manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens, limitando total ou parcialmente à mulher o reconhecimento, gozo e exercício de direitos e liberdades, fato que expressamente foi registrado como artigo 6º da Lei Federal nº 11.340/06 (DIAS, 2007, p. 60).
Declaração e Plataforma de Ação IV Conferência Mundial sobre a Mulher – “Beijing”, China, 1995, aprovou uma declaração e uma Plataforma de Ação com a finalidade de fazer avançar os objetivos de igualdade, desenvolvimento e paz para todas as mulheres. Nesta Declaração foi tratada a questão relativa à violência doméstica, prevendo que são necessárias, além das medidas punitivas, ações que estejam voltadas para a prevenção, e, ainda medidas de apoio que permitam, por um lado, à vítima e à sua família ter assistência social, psicológica e jurídica necessárias à recomposição após a violência sofrida e, por outro, que proporcionem a possibilidade de reabilitação dos agressores (PIOVESAN, 2012, p. 275).
Na citada Convenção, foram instituídos dois mecanismos de monitoramento: a petição e o procedimento investigativo.
Para acionar citados mecanismos, é necessário que o Estado tenha ratificado o Protocolo Facultativo (PIOVESAN, 2012, p. 275).
A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06) foi criada em razão de uma recomendação da OEA, para que o Brasil efetuasse uma reforma legislativa para combater definitivamente a violência doméstica no país, isto, após ter sido responsabilizado por negligência e omissão na apuração do delito de violência doméstica.
3. A Legislação Brasileira
Para Piovesan (2012, p. 366), o marco inicial do processo de incorporação do Direito Internacional dos Direitos Humanos pelo direito brasileiro foi a ratificação, em 1º de fevereiro de 1984, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Mulher.
A Constituição Federal de 1988, que representou um marco jurídico da transição democrática e na institucionalização dos direitos humanos no Brasil, tem como um de seus princípios basilares a prevalência dos direitos humanos, uma vez que o Brasil ratificou formalmente vários tratados internacionais de direitos humanos.
O STF ao tratar da hierarquia dos tratados internacionais posicionou-se no sentido de que os tratados internacionais de direitos humanos possuem status supralegal e infraconstitucional, isto é abaixo da Constituição Federal, mas acima das demais leis, tendo condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional que venha com ele se conflitar (PIOVESAN, 2012, p. 135-136).
Em 25 de setembro de 1992, o Brasil ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos, durante a Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, conhecida como “Pacto de São José da Costa Rica”.
Em Dias (2007, p. 41) verificamos que para se configurar a violência doméstica e familiar não é necessário que a vítima e o agressor tenham vivido sob o mesmo teto; bastando para tanto que o agressor e a agredida mantenham ou já tenham mantido algum vínculo de natureza familiar; podendo este vínculo ser de relação doméstica, de relação familiar ou de afetividade, podendo o sujeito ativo ser um homem ou outra mulher. Para estar protegida pela citada lei, além dos requisitos mencionados, basta que a vítima seja mulher.
3.1 A Violência Doméstica e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana na Constituição Federal
Dignidade é condição que veda a submissão do homem a tratamentos degradantes e a situações em que inexistam ou sejam escassas as condições materiais mínimas para sua subsistência.
A violência doméstica praticada contra a mulher é um concreto exemplo de violação da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais. Tanto é verdade que a Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha) teve que se adequar às legislações internacionais de proteção aos direitos das mulheres. Em seu artigo 6º, taxativamente ficou registrado que “a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos” (BARROSO, 2012, p. 1777).
3.2 Lei Maria da Penha: Criação e Aplicabilidade
No que respeita à Lei Maria da Penha, quando foi criada, houve inúmeros comentários no sentido de afirmar que era uma lei inconstitucional ou inválida. Estudiosos do direito acreditavam que citada lei estava infringindo a Constituição Federal de 1988, os leigos eram unânimes em dizer que deveria ser criada uma lei intitulada Mário da Penha, para que os homens pudessem ser abrangidos, pois afirmavam que foram injustiçados; foi notório o receio gerado nos homens, haja vista que trouxe em seu bojo direitos jamais observados por outra norma, e que de imediato passaram a ser aplicados.
Dias (2007, p. 13) e a OAB SP (2009, p. 13) registram a origem e denominação de Lei Maria da Penha como fato ocorrido em virtude da coragem de umadas milhares de vítimas de violência doméstica no país, Maria da Penha Maia Fernandes, biofarmacêutica cearense, que sofreu durante seis anos, agressões de seu marido, Marco Antônio Heredia Viveiros. Ela, como muitas outras mulheres, reiteradamente denunciou as agressões que sofreu. Em maio de 1983, ele atentou contra sua vida com disparos de arma de fogo enquanto dormia, simulou um assalto fazendo uso de uma espingarda. Maria da Penha ficou hospitalizada por algumas semanas e então retornou para seu lar paraplégica. Não satisfeito com o resultado da violência contra a vida da mulher, ele prosseguiu: em um momento em que ela tomava banho, por meio de uma descarga elétrica, tentou eletrocutá-la no chuveiro, mas Maria da Penha sobreviveu.
Este fato ocorreu em Fortaleza, Ceará. As investigações iniciaram em junho de 1983, a denúncia foi oferecida em setembro de 1984; em maio de 1991 ele foi condenado pelo tribunal de júri, recorreu em liberdade e teve anulado seu julgamento. Levado a novo julgamento em 1996, teve imposta a pena de dez anos e seis meses, quando também recorreu em liberdade. Somente 19 (dezenove) anos e seis meses após o fato, foi finalmente preso e condenado. Contudo, cumpriu apenas dois anos de prisão (DIAS, 2007, p.13).
A repercussão foi de tal ordem que o Centro pela Justiça e o Direito Internacional – CEJIL e o Comitê Latino Americano e do Caribe para a defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM formalizaram denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, (caso n.º 12.051/OEA). No entanto, apesar de, por quatro vezes, a Comissão ter solicitado informações ao governo brasileiro, nunca recebeu nenhuma resposta. O Relatório da OEA, além de impor o pagamento de indenização no valor de 20 mil dólares em favor de Maria da Penha, responsabilizou o Estado brasileiro por negligência e omissão em relação à violência doméstica, recomendando a adoção de várias medidas, entre elas simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual (DIAS, 2007, p. 14).
Em face da pressão sofrida por parte da OEA o Brasil, finalmente, cumpriu as convenções e tratados internacionais dos quais é signatário. Daí a referência constante na ementa contida na Lei Maria da Penha à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e à Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, (relatório nº 54/2001) em que se orientou o país a realizar profunda reforma legislativa com o fim de combater, efetivamente, a violência doméstica praticada contra a mulher (DIAS, 2007, p. 14).
Uma lei criada com mecanismos de prevenção, assistência às vítimas, políticas públicas e punição mais rigorosa para os agressores. Trouxe em seu bojo dispositivos de medidas de proteção à mulher em situação de violência doméstica e familiar, possibilitou uma assistência mais eficiente, e salvaguarda dos direitos humanos das vítimas.
A Lei nº 11.340/06 foi motivo de acirradas discussões no tocante à sua constitucionalidade, visto que, em razão de estar direcionada somente à mulher como vítima de violência doméstica, por muitos era tida como inconstitucional, vez que havia entendimento de que criava privilégios e estabelecia desigualdade. Não faltaram ações com objetivo de ser declarada sua inconstitucionalidade. Não se levava em conta que a Lei Maria da Penha foi criada com a finalidade de oferecer à mulher um tratamento diferenciado, promovendo sua proteção de forma especial em cumprimento às diretrizes constitucionais e aos tratados ratificados pelo Brasil, deixando de se considerar que a mulher é a grande vítima da violência doméstica, considerando-se o gênero mulher.
A situação foi solucionada no dia 09 de fevereiro de 2012, pois, por votação unânime, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a constitucionalidade dos artigos 1º, 33 e 41 da Lei Maria da Penha, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Com a decisão, a Suprema Corte declarou procedente a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 19, ajuizada pela Presidência da República com o objetivo de propiciar uma interpretação judicial uniforme dos dispositivos nela contidos, declarando encontrar-se em consonância com a proteção que cabe ao Estado dar a cada membro da família, nos termos do § 8º do artigo 226 da Constituição Federal (CF):
O Plenário julgou procedente ação declaratória, ajuizada pelo Presidente da República, para assentar a constitucionalidade dos artigos 1º, 33 e 41 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Inicialmente, demonstrou-se a existência de controvérsia judicial relevante acerca do tema, nos termos do art. 14, III, da Lei 9.868/99, tendo em conta o intenso debate instaurado sobre a constitucionalidade dos preceitos mencionados, mormente no que se refere aos princípios da igualdade e da proporcionalidade, bem como à aplicação dos institutos contidos na Lei 9.099/95. No mérito, rememorou-se posicionamento da Corte que, ao julgar o HC 106212/MS (DJe de 13.6.2011), declarara a constitucionalidade do art. 41 da Lei Maria da Penha (“Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995”). Reiterou-se a ideia de que a aludida lei viera à balha para conferir efetividade ao art. 226, § 8º, da CF. Consignou-se que o dispositivo legal em comento coadunar-se-ia com o princípio da igualdade e atenderia à ordem jurídico-constitucional, no que concerne ao necessário combate ao desprezo às famílias, considerada a mulher como sua célula básica. Supremo Tribunal Federal (2012, p.1)
O artigo 5º da Lei nº 11.340/06, descreve a forma como será configurada a violência doméstica e familiar contra a mulher, consistindo em qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial desde que ocorram no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; no âmbito da família, compreendido como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação (DIAS, 2007, p. 42).
O Parágrafo Único do artigo mencionado acima ainda visou proteger as pessoas de mesmo sexo, quando fez constar de seu anúncio, que as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual (DIAS, 2007, p. 42).
3.2.1 Formas de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher
O artigo 7º da Lei Maria da Penha trouxe um rol elencando as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, além de outras, in verbis:
O artigo mencionado demonstrou as diferentes formas de violência. Em especial, o inciso II inovou o conteúdo ao elencar um tipo novo para a legislação pátria, qual seja, a violência psicológica, que anteriormente não era tida como prejuízo à mulher, porém que causa transtornos à sua autoestima e saúde psicológica, deixando claro que até o “nascimento” da lei, somente o direito civil fazia menção à coação psicológica, ao tratar dos vícios de vontade.
3.2.2 Medidas de Prevenção
A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar será promovida por um conjunto articulado de ações da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, além de ações não governamentais de forma a integrar as operações do Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação.
Com o objetivo precípuo de erradicar a violência doméstica contra a mulher serão elaborados estudos, pesquisas, estatísticas e coleta de outras informações relevantes para obtenção de dados no que concerne à identificação das causas, consequências e frequência com que vem ocorrendo a violência doméstica, avaliando-se periodicamente os resultados das medidas que vêm sendo adotadas (OAB SP, 2009, p. 37).
As Delegacias de Polícia, em particular as Delegacias de Atendimento à Mulher, no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, além das providências relativas à elaboração da ocorrência, deverão garantir proteção à ofendida, e, quando necessário, levando o fato ao conhecimento do Ministério Público e ao Poder Judiciário, encaminhar a vítima ao hospital, posto de saúde ou ao IML (Instituto Médico Legal), fornecendo transporte para a ofendida e seus dependentes, abrigá-los em local seguro, quando houver risco para a sua vida e a de seus familiares; quando necessário, acompanhá-la na retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar, informando os direitos que lhe são conferidos e serviços que estão à sua disposição (OAB SP, 2009, p. 38).
Nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, após o registro policial, a autoridade irá ouvir a ofendida, tomando por termo suas declarações. No caso de crime de lesão corporal a abertura de Inquérito Policial independe da manifestação da vítima, pois a ação se tornou pública incondicionada; contudo, existem alguns crimes dentre eles o crime de ameaça, que depende de representação da vítima, assim, será reduzido a termo a representação e será feita a coleta de provas que servirão de base para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias. O expediente será remetido em 48 (quarenta e oito) horas ao juiz com o pedido da ofendida, contendo as medidas cautelares de natureza processual penal que estão previstas no artigo 22, incisos I, II e III cuja finalidade é prevenir e garantir a integridade física, psicológica e patrimonial da vítima e de seus familiares e ter preservada sua saúde física e mental, bem como criar condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no artigo 3º, “caput” da Lei nº 11.340/2006.
O descumprimento dessas medidas pode acarretar um risco concreto para a vítima, razão pela qual a lei autoriza, no artigo 10 e seu parágrafo único, que a autoridade policial que estiver apurando os fatos, tome as providências cabíveis para afastar o risco decorrente do descumprimento da medida de proteção determinada (OAB SP, 2009, p. 38).
A suspensão da posse ou restrição do porte de arma visa impedir que o agressor se utilize da arma de fogo legal para ameaçar ou ceifar a vida da (ex) esposa ou (ex) companheira ou algum familiar dela, além de coibir o efeito de intimidação da existência da arma (DIAS, 2007, p. 82).
Configurando o suposto agressor como indiciado pela prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, o juiz poderá de imediato aplicar tal medida cautelar. A eficácia dessa medida depende da aplicação conjunta das medidas de afastamento do lar conjugal e de proibição de determinadas condutas.
Para Dias (2007, p. 84-85), a medida cautelar de afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida, visa impedir ou dificultar que as agressões sejam perpetradas ou reiteradas no lar conjugal, bem como afastar as pressões e ameaças contra a vítima e seus dependentes ou familiares.
Manter o suposto agressor sob o mesmo teto que a vítima, é uma forma de submeter a mulher a uma constante pressão psicológica e até ao desconforto moral, porque ela corre o risco de ser agredida a qualquer momento, principalmente por ter chegado ao conhecimento do poder público a agressão praticada contra ela. O afastamento do lar possibilita que a vítima e os demais familiares se sintam, pelo menos aparentemente, seguros. A saúde física e psicológica é preservada, porque inexistirá o risco iminente de agressão, uma vez que o agressor não estará dentro de casa. O patrimônio da vítima será preservado, já que os objetos do lar não poderão ser destruídos.
No artigo 22, III, da Lei nº 11.340/06 estão previstas as condutas que podem ser proibidas para o suposto agressor, a saber:
3.2.3 Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida
O juiz, quando necessário, encaminhará a ofendida e seus dependentes ao programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento, determinará a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao seu domicílio, após o afastamento do agressor, e quando determinado o afastamento da ofendida do lar, que ocorrerá sem que haja prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos, e determinará a separação de corpos.
As medidas referidas acima serão determinadas pelo juiz, com caráter jurisdicional, ou pela autoridade policial, neste caso a previsão é do artigo 11, da Lei nº 11.340/06, e também pelo Ministério Público o qual tem direito de requisitar serviços públicos de segurança, nesse sentido a medida passa a ter cunho administrativo. Ao requerer as medidas protetivas à autoridade policial, não há necessidade da vítima estar representada por advogado (DIAS, 2007, p. 83).
3.2.4 Competência para processar e julgar a violência doméstica e familiar
As normas de competência, definidas na Lei Maria da Penha, estão previstas nos artigos, 14, 15 e 33, de acordo com Barroso (2012, p. 1779-1780).
O artigo 14, assim dispõe, in verbis:
“Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher”.
As varas criminais acumularão a competência cível e criminal para conhecer e julgar estas causas, até que os juizados sejam criados, somado à determinação de que as causas terão julgamento preferencial. A proposta de um Juizado de Violência Doméstica e Familiar com competência ampliada como esta descrita, tem como objetivo proporcionar às mulheres que vivem em situação de violência doméstica e familiar o acesso à justiça com respostas céleres e integrais que colaborem para seu fortalecimento e para o exercício de seus direitos.
O artigo 15 da Lei nº 11.340/06 cuida da competência, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos por esta lei. Trata-se do Juizado oferecendo à mulher oportunidade para optar entre: o seu domicílio ou de sua residência, o lugar do fato em que se baseou a demanda ou o domicílio do agressor, sendo, portanto, garantido a ela o direito de preferência, nas varas cíveis, para o processo e julgamento das causas que tratarem de Violência Doméstica e Familiar.
No âmbito do Direito Processual Penal, a identificação da competência atenta ao critério do lugar da infração. Dispondo o agressor de foro privilegiado por prerrogativa de função, a competência para o julgamento das ações criminais desloca-se para o órgão julgador, indicado na lei, que se sobrepõe à competência do lugar da infração (DIAS, 2007, p. 64-65).
Quando se trata de afastamento do lar e não aproximação do agressor, o juiz deve agir com prudência e observar a razoabilidade e proporcionalidade ao aplicar a medida, porque ela causa uma proibição à liberdade de locomoção do suposto agressor, devendo ser aplicada quando for estritamente necessária para assegurar a segurança da vítima.
As medidas cautelares somente podem ser aplicadas na presença dos requisitos das cautelares em geral, ou seja, a fumaça do bom direito e o perigo na demora, bem como, devem durar somente o tempo necessário para garantir a proteção das vítimas e seus familiares. O juiz poderá concedê-las em 48 (quarenta e oito) horas e, uma vez determinado o afastamento do agressor, a desobediência por parte dele das citadas medidas, constatado que possa causar prejuízo à vítima, parentes ou testemunhas o juiz poderá decretar a prisão preventiva do acusado.
Conclusão
O presente trabalho intitulado “A Violência Doméstica Contra a Mulher no Direito Internacional e seus Reflexos na Legislação Brasileira” se iniciou com uma demonstração da trajetória percorrida pela mulher, quais os Organismos Internacionais que abrangem tal assunto e os documentos pelos quais o Brasil foi obrigado a criar uma legislação especial que abrangesse a mulher.
O Brasil é signatário em grande parte destes Tratados, com vistas neste fato é que a OEA (Organização dos Estados Americanos) interveio no caso da vítima Maria da Penha Maia Fernandes, que foi vítima de tentativa de homicídio praticado pelo marido, tendo como resultado paraplegia, visto que o Brasil não tomou as providências pertinentes para dar a perfeita apuração e punição ao agressor.
A OEA, ao cuidar do caso, impôs ao Brasil o pagamento de uma indenização no valor de vinte mil dólares em favor da vítima, responsabilizando o país por negligência e omissão em relação à violação doméstica, fazendo recomendação no sentido de simplificar os procedimentos penais, de forma a reduzir o tempo processual orientando o país a realizar uma reforma legislativa com o fim de combater efetivamente a violência doméstica.
Baseado nas recomendações, o país criou a Lei Federal nº 11.340/06, denominada Lei Maria da Penha, visando eliminar todas as formas de violência contra a mulher. Inicialmente, a lei foi alvo de críticas no que referia à sua constitucionalidade, caso já solucionado, haja vista que o STF declarou, em fevereiro de 2012, sua constitucionalidade (ADC nº 19), sendo declarado que no artigo 226, § 8º da Constituição Federal de 1988 já havia previsão para sua criação.
A Lei Maria da Penha é considerada uma das três leis mais importantes do mundo. Referida lei tipificou a violência doméstica, estabelecendo as formas de violência, previu um capítulo específico para o atendimento pela autoridade policial, possibilitou a prisão em flagrante delito mesmo em infrações até então abrangidas pela Lei 9099/95, alterou o Código de Processo Penal, possibilitou ao juiz a decretação de prisão preventiva em caso de risco à integridade física e psicológica da mulher, previu a criação dos Juizados especiais de Violência Doméstica, criou meios para que a vítima possa solicitar e ser atendida pelas Medidas Protetivas de Urgência que visam dar segurança à mulher, fixar limites mínimos de distância entre o agressor, vítima, familiares e testemunhas, podendo também proibir que ele mantenha qualquer tipo de contato.
A partir do tema adotado, violência contra a mulher, vale frisar que a pesquisa realizada é apenas uma pequena demonstração de um longo contexto, que como dito, iniciou nos primórdios e perdura até hoje, mas que se houver colaboração de todos os meios possíveis, a tendência é que venha a ser minorada.
Diante de todo o exposto cabe dizer: a mulher vítima de violência doméstica, além de saber de seus direitos, precisa obter sua efetivação.
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Referências
BARROSO, Darlan. Vade Mecum. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2012.
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. O desafio do enfrentamento da violência: Situação Atual, estratégias e propostas. Brasília: Ministério da Saúde, 2008.
______. Secretaria de Políticas de Saúde. Violência intrafamiliar: Orientações para prática em serviço. Brasília: Ministério da Saúde, 2002.
OAB SP. Cartilha sobre violência contra a mulher. São Paulo: OAB SP, 2009.
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 13. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: 15. Ed. Forense, 1998.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação direta de constitucionalidade da lei 11340/06. 2012. Disponível em <http://www.conteudojuridico.com.br/informativo-tribunal,informativo-654-do-stf-2012,35845.html>. Acesso em: 12 de maio de 2013.
[1] A autora, Amanda Espíndola Barbosa, é Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Salesiano Unidade de Lorena. Monitora de Teoria Geral do Direito Civil (2012, 2013). Aluna bolsista do BICSal em Direito Ambiental (2012). Estagiária do Ministério Público.
[2] Mestre em Direito Ambiental e Social pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo (2001). Especialista em Criminologia e Direito Penal pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo (1997). Delegado de Polícia. Professor.
Eduardo Luiz Santos Cabette
Delegado de Polícia aposentado, Consultor Jurídico e Professor Universitário
Delegado de Polícia aposentado, Consultor Jurídico Criminal, Mestre em Direito Social, Pós – graduado com especialização em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial na graduação e na Pós-graduação da Unisal e Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do Programa de Mestrado da Unisal.
OBS.: Respeitamos a Liberdade de Expressão de todas as pessoas. As opiniões aqui expressas NÃO refletem as da RÁDIO ESPAÇO MULHER, sendo estas de total responsabilidade das pessoas aqui entrevistadas.